17.04.2013 Views

Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>do</strong> qual se produzem interpretações histórica e socialmente variáveis. Nas modernas<br />

socie<strong>da</strong>des de consumo, os valores e a cultura <strong>do</strong>minantes conduzem a uma visão<br />

profun<strong>da</strong>mente negativa <strong>da</strong>s situações que não se coadunam com os padrões de<br />

consumo e de vi<strong>da</strong> colectivamente valoriza<strong>do</strong>s e vistos como sinal de uma vi<strong>da</strong> digna.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, o avanço <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de de consumo, que ocorreu a par e sob o impulso<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Providência, envolveu o acesso massivo a padrões de consumo outrora<br />

concentra<strong>do</strong>s no pequeno número <strong>do</strong>s ricos. Se anteriormente ser pobre, ou seja, ser<br />

destituí<strong>do</strong> <strong>do</strong>s meios para possuir automóvel, televisão, frigorífico, aspira<strong>do</strong>r, fogão,<br />

aparelhagem de som, fazer férias longe de casa, jantar no restaurante, etc, era a<br />

situação mais comum, nas socie<strong>da</strong>des ocidentais construí<strong>da</strong>s a partir <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong><br />

Guerra Mundial, essa situação deixou de ser normal e passou a ser sinal de atraso ou<br />

de subdesenvolvimento.<br />

Se tomarmos em consideração que a desvalorização simbólica <strong>da</strong><br />

pobreza produz efeitos sobre o mo<strong>do</strong> como os que por ela são atingi<strong>do</strong>s se<br />

percepcionam a si próprios e, além disso, tivermos em conta que as políticas de<br />

ordenamento <strong>do</strong> território promovem a separação espacial <strong>do</strong>s mais pobres,<br />

remeten<strong>do</strong>-os para espaços simbolicamente desvaloriza<strong>do</strong>s e desvaloriza<strong>do</strong>res,<br />

percebe-se quanto, em certas situações, a crise <strong>do</strong> laço social pode agravar<br />

severamente as possibili<strong>da</strong>des de construir uma identi<strong>da</strong>de social. Ser pobre<br />

representa, por si só, ter um estatuto social desvaloriza<strong>do</strong>. Ser pobre e ser habitante<br />

de um espaço, também ele, conota<strong>do</strong> com a pobreza, equivale a uma dupla<br />

desvalorização. Chegar à escola e ser visto como incapaz porque aquilo que se<br />

aprendeu em casa e na comuni<strong>da</strong>de de residência entra em contradição, não se<br />

adequa ou choca a sensibili<strong>da</strong>de e os valores <strong>do</strong>s agentes educativos equivale a mais<br />

uma desvalorização. De facto, se a coesão social convocasse o investimento<br />

consistente <strong>da</strong>s instâncias políticas e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil, a pobreza não seria remeti<strong>da</strong><br />

para espaços separa<strong>do</strong>s, como que escondi<strong>da</strong>. Se além de tu<strong>do</strong> o que se disse,<br />

tivermos em conta o trabalho ideológico profun<strong>do</strong> e camufla<strong>do</strong> que as políticas de<br />

educação põem hoje em marcha, não poderemos evitar um sentimento de<br />

perplexi<strong>da</strong>de em face <strong>do</strong>s terríveis limites e obstáculos que tão precocemente pesam<br />

sobre a vi<strong>da</strong> de muitos jovens. Em termos concretos, o que queremos dizer é que ser<br />

obriga<strong>do</strong> a ir à escola está longe de ser equivalente a ter efectivamente direito à<br />

educação. Ficar na escola, ano após ano, sem haver realiza<strong>do</strong> efectivas<br />

aprendizagens, por vezes, obten<strong>do</strong> classificações suficientes para transitar de ano<br />

sem ter adquiri<strong>do</strong> os conhecimentos que condicionam as aprendizagens posteriores, é<br />

um processo que instala visões <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de profun<strong>da</strong>mente ilusórias, que instala a<br />

ilusão de que se pode ter acesso a tipos de trabalho e a formas de vi<strong>da</strong> a que, na<br />

80

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!