Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
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exemplo, ao fim de semana, eu dizia, como qualquer miú<strong>do</strong>, olha vamos <strong>da</strong>r<br />
uma volta, vamos aqui ou acolá … e ele <strong>da</strong>va-me encontrões e man<strong>da</strong>vame<br />
para o ―caralho‖ e assim… e eu metia-me debaixo <strong>da</strong> cama… a minha<br />
mãe não podia fazer na<strong>da</strong> porque ele também lhe batia… lembro-me de ela<br />
querer entrar no quarto, se encostar à porta e o meu pai não deixar e fechar<br />
o quarto à chave. (…) lembro-me que, uma vez, a minha mãe chamou a<br />
polícia e esta não fez na<strong>da</strong>… disse que eram coisas familiares e não podia<br />
fazer na<strong>da</strong> … e o meu pai batia na minha mãe …<br />
O meu pai batia-me sem eu perceber porquê e eu sentia ódio, era triste, era<br />
ódio mesmo. … até que um dia uma assistente social decidiu com eles que<br />
era melhor eu ir para um colégio… nunca mais estive com os meus pais …<br />
nunca me visitaram nos colégios e eu não ia a casa. Era me<strong>do</strong>, era me<strong>do</strong><br />
de ir lá e de acontecer o que se passava na minha infância. Eles rejeitaramme!..<br />
e isso ain<strong>da</strong> hoje não consigo esquecer… estou melhor, já consigo<br />
falar com o meu pai, mas é difícil… e sei que cresci sem ele, mas que<br />
preciso dele… de colégio em colégio fui an<strong>da</strong>n<strong>do</strong>, a maior parte <strong>da</strong>s vezes<br />
acabava por ser expulso, por causa <strong>do</strong>s meus comportamentos marginais…<br />
roubava as pessoas no colégio, não acatava ninguém, desrespeitava<br />
professores e vigilantes e era violento com os colegas… nos colégios por<br />
onde andei não me liguei a ninguém… só me ligava a quem consumia…<br />
dessa altura lembro-me que comecei a ter ca<strong>da</strong> vez mais problemas. Já não<br />
ligava muito para os meus amigos. Tinha uma ―chavala‖ e não ligava para<br />
ela. Tinha mau aspecto, mas não queria saber, não queria saber de na<strong>da</strong>.<br />
Só pensava naquilo. Só pensava em mais. Já não fazia mais na<strong>da</strong>… era<br />
mesmo a degra<strong>da</strong>ção… era o fim… acabei aqui, na clínica, já não me<br />
interessan<strong>do</strong> por na<strong>da</strong>… nem por ninguém… já só queria morrer… vivia a<br />
drogar-me e a roubar para me drogar… se era certo ou erra<strong>do</strong>?... nem<br />
sequer pensava nisso…<br />
Ilídio (16 anos)<br />
Ilídio é um jovem que, por decisão <strong>do</strong> tribunal, era residente numa<br />
Comuni<strong>da</strong>de Terapêutica quan<strong>do</strong> nos conhecemos. No seu trajecto de vi<strong>da</strong> passou<br />
por três estruturas de socialização, incluin<strong>do</strong> esta Comuni<strong>da</strong>de. Da primeira transição,<br />
família de origem para Colégio em regime de internato, Ilídio recor<strong>da</strong>, como motivos<br />
para esta decisão, os conflitos familiares vivi<strong>do</strong>s entre a mãe e a avó e a incapaci<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> mãe para os criar a to<strong>do</strong>s, sozinha. Até aos 10 anos considera que esse tempo foi<br />
bom, brincava com os irmãos e nunca tinha i<strong>do</strong> à escola.<br />
Ilídio fala-nos <strong>da</strong> sua história de vi<strong>da</strong> manifestan<strong>do</strong> tristeza por não ter<br />
vivi<strong>do</strong> com a mãe, por esta o ter entrega<strong>do</strong> num colégio, por se sentir rejeita<strong>do</strong>,<br />
sublinhan<strong>do</strong> que só à entra<strong>da</strong> <strong>do</strong> colégio a mãe o informou dessa decisão. Esta é uma<br />
história de vi<strong>da</strong> onde o crescimento se realizou praticamente com substitutos<br />
parentais. Se nos primeiros anos de vi<strong>da</strong>, por morte <strong>do</strong> pai, a mãe representou uma<br />
figura intermitente, o seu vínculo à avó materna não deixou de ser pauta<strong>do</strong> por uma<br />
manifesta ausência de controlo sobre o seu processo de crescimento, favorecen<strong>do</strong><br />
antes um mo<strong>do</strong> de viver entregue à (má) sorte de não pertencer a ninguém.<br />
Institucionaliza<strong>do</strong> aos dez anos de i<strong>da</strong>de, estabelece um vínculo mais<br />
consistente com a directora <strong>do</strong> colégio, mas revela sérias dificul<strong>da</strong>des em criar laços<br />
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