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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Santa Casa <strong>da</strong> Misericórdia … Eram sempre discussões. O meu pai<br />

trabalhava numa bomba de gasolina. Tu<strong>do</strong> para a droga. Começamos a<br />

pedir, eu e a minha mãe, nos semáforos. … a minha mãe também se<br />

drogava. … Eu tinha cerca de três anos, lembro-me disso … a minha mãe<br />

punha-me sozinha a pedir nos semáforos porque percebia que <strong>da</strong>va mais.<br />

Quan<strong>do</strong> não havia dinheiro, o meu pai batia-nos e por isso íamos pedir …<br />

tinha muito me<strong>do</strong>, escondia-me, percebi que não gostavam de mim …<br />

Precisavam de mim porque era uma maneira de terem dinheiro, era mais<br />

fácil … eu era uma criança … de momentos bons, não me lembro de quase<br />

nenhum ou, mesmo, de nenhum … Via a minha avó às vezes. Era alcoólica.<br />

Foi o meu pai que estragou a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> minha mãe. Lembro-me de sentir<br />

me<strong>do</strong>, revolta e rejeição. Sentimentos de revolta. Tinha me<strong>do</strong>, escondia-me,<br />

percebi que não gostavam de mim. Precisavam de mim porque era uma<br />

maneira de terem dinheiro, era mais fácil, eu era uma criança ‖.<br />

[a minha vi<strong>da</strong>] foi sempre má. Os meus pais viviam muito bem, em Cascais.<br />

Tinha uma nova família, com avós e tu<strong>do</strong>. A relação entre mim e os meus<br />

pais a<strong>do</strong>ptivos foi sempre muito complica<strong>da</strong>. Desistiram de mim. (…) O<br />

ambiente era de muita desconfiança de mim. Eu também fazia certas coisas<br />

que eles não gostavam, roubos e assim . . .Com o meu irmão havia uma<br />

relação diferente. Ele era mais pequenino, e ele gostava muito deles e os<br />

meus pais gostavam muito dele‖.<br />

Desiludi os meus pais. Os meus pais desistiram de mim porque estavam<br />

fartos de serem apunhala<strong>do</strong>s pelas costas, porque fizeram tu<strong>do</strong> por mim e<br />

sempre os desiludi. Porque quan<strong>do</strong> me tratavam bem, eu acabava por fazer<br />

montes de porcarias. (…) Eles queriam controlar-me mas não conseguiam.<br />

Eu fazia coisas que eles nem imaginavam… fazia surf, an<strong>da</strong>va de moto, eu<br />

até já entrava em competições no surf, tenho patrocínios, assim, coisas que<br />

eles não deixavam‖.<br />

Não gosto deles [<strong>do</strong>s pais a<strong>do</strong>ptivos] … Olhe, eu costumava muitas vezes<br />

fazer um exercício relativamente aos meus pais, sempre aos meus pais<br />

a<strong>do</strong>ptivos. Até a pensar sobre isso, se gostava ou não deles. Que opções<br />

eu faria se tivesse de escolher entre a minha melhor amiga e a minha mãe<br />

ou entre o namora<strong>do</strong> e o meu pai, e eu nunca fazia a escolha <strong>do</strong>s meus pais<br />

a<strong>do</strong>ptivos. Só o meu irmão é que está acima de tu<strong>do</strong>…quanto aos meus<br />

pais biológicos, nunca mais soube na<strong>da</strong> deles. Mas acho que também não<br />

quis saber. Esses não me quiseram.<br />

Olhe, falava às vezes com a minha avó, mãe <strong>da</strong> minha mãe a<strong>do</strong>ptiva. E<br />

falávamos sobre a a<strong>do</strong>pção. E ela a certa altura começou a dizer que a<br />

minha mãe fez uma má escolha. Que no Lar a enganaram porque lhe<br />

disseram que eu era uma criança sossega<strong>da</strong>. A minha avó chegou a dizerme<br />

que a minha mãe estava arrependi<strong>da</strong>. Era difícil ouvir estas coisas,<br />

magoavam… depois estamos sempre a competir, a ver quem magoa mais.<br />

E o meu pai estava sempre de fora. Punha-se de fora.<br />

(…) Mas às vezes com o meu pai conversávamos, ele dizia que eu pensava<br />

mais nos outros que em mim, mas também se zangava e discutíamos. (…)<br />

mas a minha mãe a<strong>do</strong>ptiva não queria ouvir eu falar sobre o passa<strong>do</strong>.<br />

Quan<strong>do</strong> lhe disse que o meu pai me violou, ela não quis ouvir, e disse que<br />

eu estava a inventar. Man<strong>do</strong>u-me calar. Sempre disse que eu vivia muito <strong>do</strong><br />

passa<strong>do</strong>. Dizia que eu tinha de esquecer‖.<br />

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