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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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outras referências que não sejam a que<strong>da</strong> <strong>do</strong>s limites que outrora remetiam a<br />

sexuali<strong>da</strong>de para a vi<strong>da</strong> adulta. Ca<strong>da</strong> um terá que descobrir, por si, como regular este<br />

tipo de relações, terá que expor-se aos riscos <strong>da</strong> frustração e <strong>da</strong> per<strong>da</strong> <strong>do</strong> seu próprio<br />

valor, num vazio de regras que indiquem o que é, ou não, legítimo fazer um ao outro,<br />

assim como o que é, ou não, legítimo esperar ou aceitar <strong>do</strong> outro. Este é um exemplo<br />

claro <strong>da</strong> anomia de que falava Durkheim, precipitan<strong>do</strong> os indivíduos numa profun<strong>da</strong><br />

solidão. A norma indica o limite, permite tomar contacto com a reali<strong>da</strong>de, assim como<br />

tomar consciência de que esta impõe limites aos desejos, permite, igualmente, tomar<br />

consciência de que quan<strong>do</strong> desconhecemos ou negamos a reali<strong>da</strong>de esta se<br />

encarrega de nos frustrar.<br />

168<br />

Não deixa de ser estimulante, quanto a nós, que decorri<strong>do</strong> quase um<br />

século desde a obra a que acima aludimos, o tema <strong>do</strong> individualismo e <strong>da</strong> anomia<br />

assuma uma importância crucial na análise <strong>do</strong>s funcionamentos sociais actuais.<br />

Diz Pedro Strecht que o traço comum <strong>do</strong>s que ce<strong>do</strong> começam<br />

exagera<strong>da</strong>mente a consumir é a fragili<strong>da</strong>de narcísica, uma baixa auto-estima,<br />

origina<strong>da</strong> por uma insuficiência afectiva ou por uma falha senti<strong>da</strong> entre o que se<br />

recebeu e tem, e aquilo que se deseja ou quer 178 . Diz, ain<strong>da</strong>, que o toxicodependente<br />

é alguém que se viu priva<strong>do</strong> de uma boa sensação de preenchimento narcísico, ou,<br />

essa é outra possibili<strong>da</strong>de, alguém que, não ten<strong>do</strong> essa falha, se organizou num<br />

modelo de funcionamento submeti<strong>do</strong> ao desejo imparável de ter mais, de<br />

omnipotência, que o impede de se sentir afectivamente satisfeito. Em ambos,<br />

consciente ou inconscientemente, a preponderante sensação de vazio gera o desejo<br />

ávi<strong>do</strong> de o preencher, consumin<strong>do</strong> substâncias que, transitoriamente, produzem<br />

sensações de plenitude, bem-estar, alívio físico e psicológico.<br />

Mas, perguntamos nós, será que quan<strong>do</strong> falamos em afectivi<strong>da</strong>de nos<br />

estamos a referir a fenómenos evidentes, a reali<strong>da</strong>des que não carecem de<br />

objectivação, que o mesmo é dizer a factos incontroversos e de conteú<strong>do</strong> inequívoco?<br />

Como definir afectivi<strong>da</strong>de? Como medir o investimento afectivo de um ser noutro ser?<br />

Que relação existe entre afectivi<strong>da</strong>de e cultura? São as manifestações <strong>da</strong> afectivi<strong>da</strong>de<br />

independentes <strong>da</strong> cultura em que os indivíduos se constroem? Poder-se-á concluir<br />

que os pais que facultam aos filhos uma inesgotável série de consumos lhes dão<br />

afecto? Poder-se-á concluir que os pais que se preocupam exclusivamente com o bem<br />

- estar material <strong>do</strong>s seus filhos, ignoran<strong>do</strong> que a educação <strong>da</strong>s emoções é crucial no<br />

processo de preparação para a vi<strong>da</strong> adulta não lhes providenciam afecto? Será<br />

legítimo dizer que os pais que não conhecem os seus filhos não se envolvem<br />

afectivamente com eles? Será legítimo considerar que os pais que evidenciam grande<br />

178 Pedro Strecht, Interiores, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001, pág. 218

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