Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
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uma grande diversificação de contactos, quer com professores, quer com outros<br />
adultos e crianças. Alarga-se o leque de possibili<strong>da</strong>des de observação e de<br />
constatação de outros papéis sociais, não apenas àqueles que são directamente<br />
observa<strong>do</strong>s, mas também aos que chegam de forma indirecta por via de relatos,<br />
histórias, filmes, brincadeiras e jogos com as outras crianças.<br />
288<br />
Nesta fase, é preciso que a criança seja incentiva<strong>da</strong> na sua exploração para<br />
que, à medi<strong>da</strong> que as suas capaci<strong>da</strong>des são reconheci<strong>da</strong>s, descubra que faz coisas<br />
com utili<strong>da</strong>de e lógica, o que lhe dá um senti<strong>do</strong> simbólico de participar no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
adultos. Um ambiente que proporcione a possibili<strong>da</strong>de de se sentir útil, de participar na<br />
vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s adultos, pode, por si mesmo, reforçar sentimentos de ser capaz. Esta é<br />
também a base para começar a pensar no futuro profissional, uma vez que o<br />
sentimento de capaci<strong>da</strong>de permite criar objectivos de vi<strong>da</strong> que, a priori, surgem como<br />
possíveis. Se não pode experimentar papéis, ou lhe são apenas reserva<strong>do</strong>s apenas os<br />
que são considera<strong>do</strong>s "menores" ou subalternos, o mais provável é que os<br />
sentimentos de incapaci<strong>da</strong>de sejam reforça<strong>do</strong>s 290 . O papel <strong>do</strong> ambiente familiar ou<br />
institucional é incentivar a autonomia, mas consciencializan<strong>do</strong> os limites à realização<br />
<strong>do</strong>s sonhos e desejos.<br />
Os a<strong>do</strong>lescentes cujas vi<strong>da</strong>s procuramos reconstituir neste trabalho foram<br />
crianças que, fruto <strong>da</strong>s suas vivências, não conseguiram (ain<strong>da</strong>) resolver o conflito<br />
produtivi<strong>da</strong>de/inferiori<strong>da</strong>de, não tiveram ain<strong>da</strong> oportuni<strong>da</strong>de de ultrapassar de forma<br />
adequa<strong>da</strong> os desafios acima assinala<strong>do</strong>s. Retira<strong>do</strong>s <strong>da</strong>s suas famílias e<br />
institucionaliza<strong>do</strong>s, a sua socialização primária esteve muito longe de lhes permitir<br />
conhecer e interiorizar as exigências, valores e normas <strong>do</strong> contexto escolar. Não será,<br />
por isso, de estranhar que a superação desta fase <strong>da</strong> construção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de seja<br />
muito mais problemática para estas crianças e jovens que desacreditam <strong>da</strong>s suas<br />
próprias capaci<strong>da</strong>des de corresponder ao que é exigi<strong>do</strong> na escola.<br />
290 Cfr. Carlota Teixeira, O Tecer e o Crescer – Fios e Desafios, op. cit., pág. 119. Betelheim na<br />
interpretação psicanalítica <strong>da</strong> história <strong>do</strong> Capuchinho Vermelho, corrobora esta perspectiva acerca <strong>do</strong><br />
equilíbrio entre limites e possibili<strong>da</strong>des. A criança que começa a libertar-se <strong>do</strong>s pais e a deixar-se seduzir<br />
pelo prazer, tem que interiorizar os obstáculos e as armadilhas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, e encontrar formas de os<br />
ultrapassar. Confiar nas boas intenções de to<strong>da</strong> a gente, acreditar ingenuamente em tu<strong>do</strong> o que nos<br />
dizem e propõem, significa de facto que estamos à mercê de armadilhas. O risco faz parte <strong>da</strong>s nossas<br />
vi<strong>da</strong>s, e exerce algum fascínio, mas é necessário saber <strong>do</strong>sear e controlar esses riscos. Se não houvesse<br />
dentro de nós alguma coisa que nos fizesse gostar <strong>do</strong> lobo mau, ele não teria qualquer poder sobre nós.<br />
O lobo representa, nesta interpretação psicanalítica, to<strong>da</strong>s as tendências associais e animalísticas que<br />
existem no ser humano, a vontade de <strong>da</strong>r azo à satisfação de to<strong>do</strong>s os impulsos libidinais, sem qualquer<br />
tipo de censura. Vermelho é a cor simbólica <strong>da</strong>s emoções violentas, em que se incluem a agressivi<strong>da</strong>de e<br />
as pulsões sexuais. O perigo <strong>do</strong> Capuchinho Vermelho, que encarna a criança deste estádio, é a sua<br />
sexuali<strong>da</strong>de nascente, para a qual não está ain<strong>da</strong> emocionalmente amadureci<strong>da</strong>. Por isso, ela pode fazer<br />
coisas sozinha (atravessar a floresta para ir a casa <strong>da</strong> avozinha), mas tem de conhecer os seus limites (os<br />
conselhos <strong>da</strong> mãe, as regras sociais, …), sob pena de se colocar em risco.