Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
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marginais… foi essa a vi<strong>da</strong> que tinha conheci<strong>do</strong> e <strong>da</strong> qual tinha memória…<br />
mesmo quan<strong>do</strong> a minha nova família me dizia que eu tinha de esquecer o<br />
passa<strong>do</strong>… não sei porquê mas foi esse passa<strong>do</strong> o que sempre pesava na<br />
minha vi<strong>da</strong>... até que arranjei um namora<strong>do</strong> bastante mais velho <strong>do</strong> que eu,<br />
um meu vizinho e fugi de casa… aí os meus pais souberam e trouxeram-me<br />
para esta Comuni<strong>da</strong>de Terapêutica…<br />
Hoje penso que o papel que as drogas representaram na minha vi<strong>da</strong> serviu<br />
para esquecer, para me refugiar <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> que tinha… que tive… eu acho que<br />
não gosto de mim… Eu sei que fiz muita porcaria, fiz muitas coisas, olhe,<br />
por exemplo, no ano passa<strong>do</strong> fomos ao Brasil. Eu saí e meti-me nos copos,<br />
era álcool, álcool, tinha 14 para 15 anos… parece que tirava prazer de<br />
provocar os meus pais a<strong>do</strong>ptivos.<br />
Acho que os meus comportamentos se ficaram a dever à vi<strong>da</strong> que tive em<br />
miú<strong>da</strong>… fiquei sempre revolta<strong>da</strong>, fiquei desconfia<strong>da</strong>, não deixava que me<br />
tratassem bem. Quan<strong>do</strong> os meus pais a<strong>do</strong>ptivos me ofereciam outras<br />
oportuni<strong>da</strong>des eu não aceitava, rejeitava-os e achava que os odiava… ain<strong>da</strong><br />
não decidi se é ou não esta a vi<strong>da</strong> que quero para mim…<br />
159<br />
Aqueles que tendem para uma utilização regular <strong>da</strong> droga organizam-se<br />
de maneira a evitarem o dilema entre satisfazer a necessi<strong>da</strong>de de ―planar‖ e o me<strong>do</strong><br />
de serem descobertos, temen<strong>do</strong> que alguns <strong>do</strong>s seus comportamentos, por exemplo,<br />
a sua dificul<strong>da</strong>de em concentrar a sua atenção e em manter uma conversação<br />
corrente, sejam interpreta<strong>do</strong>s como sinais <strong>do</strong> efeito <strong>da</strong> droga. Nesta circunstância,<br />
pode acontecer que acabem por se integrar, quase completamente, no subgrupo<br />
cultural no qual se exerce esta activi<strong>da</strong>de, acaban<strong>do</strong> por ter um mínimo de contactos<br />
com os não fuma<strong>do</strong>res cuja opinião tem importância para eles.<br />
To<strong>da</strong>via, como o isolamento por relação à socie<strong>da</strong>de só raramente pode<br />
ser absoluto, o fuma<strong>do</strong>r, pode tentar evitar o dilema através <strong>da</strong> aprendizagem de uma<br />
outra técnica, que consiste em aprender a controlar os efeitos <strong>da</strong> droga quan<strong>do</strong> se<br />
encontra na companhia de não fuma<strong>do</strong>res. Poderá, assim, guar<strong>da</strong>r o seu segre<strong>do</strong> e<br />
continuar a encontrar-se com eles. Aquele que não consegue aprender esta técnica<br />
não ousará drogar-se em certas situações e não poderá utilizar regularmente a<br />
marijuana 170 .<br />
Os fuma<strong>do</strong>res partilham, na maioria, estes sentimentos e só podem<br />
tornar-se fuma<strong>do</strong>res regulares se forem capazes de dissimular e controlar os efeitos<br />
<strong>do</strong> consumo na presença <strong>do</strong>s outros 171 . Se forem capazes de esconder <strong>do</strong>s outros que<br />
170 Howard Becker, Outsiders. Études de sociologie de la deviance, op.cit. pág. 94 ―Escuta, eu vou dizer-te<br />
o que mata, meu velho, o que acho ver<strong>da</strong>deiramente terrível. Alguma vez te aconteceu planar e de nesse<br />
preciso momento teres de fazer face à tua família! Eu tenho horror a isso. Ser obriga<strong>do</strong> a falar ao meu pai,<br />
à minha mãe ou aos meus irmãos é demasia<strong>do</strong> para mim. Não, eu não consigo fazê-lo. Eu tenho como<br />
que a impressão de que eles estão senta<strong>do</strong>s a ver-me e que eles sabem que eu plano. É um sentimento<br />
horrível; detesto isso.‖<br />
171 Howard Becker, Outsiders, Études de sociologie de la deviance op.cit., pág. 94. ―Tu fumavas<br />
frequentemente no início? Não, não muito. Como eu disse, eu tinha certo receio disso. Mas por volta de<br />
1948, finalmente, comecei ver<strong>da</strong>deiramente a forçar. (de que tinhas me<strong>do</strong>?) Tinha me<strong>do</strong> de planar e de<br />
não ser capaz de trabalhar, percebes? Não ousava deixar-me ir e ver o que aconteceria. Em particular,