Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
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Como muito bem observa Sennett, o capitalismo <strong>do</strong> séc. XIX e início <strong>do</strong><br />
séc. XX era ―primitivo‖ a ponto de gerar défices de legitimi<strong>da</strong>de e incentivar os ideais<br />
revolucionários. No entanto, no espaço de um século, de 1860 a 1970, as empresas<br />
aprenderam a arte <strong>da</strong> estabili<strong>da</strong>de, conseguin<strong>do</strong>, em simultâneo, assegurar a<br />
longevi<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s negócios e aumentar o número de emprega<strong>do</strong>s. Não foi ao merca<strong>do</strong><br />
livre que se ficou a dever essa mu<strong>da</strong>nça estabiliza<strong>do</strong>ra, mas, muito mais, ao<br />
investimento <strong>da</strong>s empresas na sua organização interna, muito em especial às formas<br />
de racionalização inspira<strong>da</strong>s na análise weberiana <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> institucional. No capitalismo<br />
militar e social, analisa<strong>do</strong> por Weber, o tempo era linear, previsível e a longo prazo. O<br />
tempo racionaliza<strong>do</strong> permitia que os indivíduos pensassem as suas vi<strong>da</strong>s como<br />
histórias, isto é, que antecipassem as probabili<strong>da</strong>des de ocorrerem nas suas vi<strong>da</strong>s<br />
determina<strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças, segun<strong>do</strong> uma ordem ou sequência de experiências e de<br />
metas 21 .<br />
A racionalização <strong>do</strong> tempo marcava profun<strong>da</strong>mente a vi<strong>da</strong> subjectiva 22 ,<br />
instalan<strong>do</strong> um processo de formação pessoal que preparava o indivíduo para a<strong>do</strong>ptar<br />
uma conduta ao longo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. A estabili<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s objectivos e a hierarquia eram as<br />
condições que tornavam possível a organização de uma compreensão <strong>do</strong> indivíduo<br />
por si próprio. To<strong>da</strong>via, as instituições que permitiram pensar em termos de historial de<br />
vi<strong>da</strong> volatilizaram-se e a organização <strong>do</strong> tempo típica <strong>do</strong> capitalismo social está em<br />
desintegração. O fim <strong>do</strong> emprego para to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>, o declínio <strong>da</strong>s carreiras<br />
profissionais forja<strong>da</strong>s numa única instituição, a imprevisibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s redes de<br />
protecção social, to<strong>do</strong>s estes factos são a evidência empírica de que os indivíduos<br />
deixam de poder prever e controlar as suas vi<strong>da</strong>s 23<br />
21 Richard Sennett, A Cultura <strong>do</strong> Novo Capitalismo op. cit., p. 24. Por exemplo, tornou-se possível definir<br />
como e quais deviam ser as etapas de uma carreira, ou relacionar o serviço a longo prazo numa empresa<br />
com passos específicos para aumentar a riqueza. Muitos trabalha<strong>do</strong>res manuais puderam planificar pela<br />
primeira vez a compra de uma casa. A reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s convulsões e <strong>da</strong>s oportuni<strong>da</strong>des no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
negócios tinha impedi<strong>do</strong> a materialização deste pensamento estratégico. No fluxo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> real,<br />
particularmente no fluxo <strong>do</strong> ciclo económico, a reali<strong>da</strong>de não se acomo<strong>da</strong>va obviamente a nenhum plano<br />
previamente traça<strong>do</strong>, mas nessa época a própria ideia de ser capaz de planificar definia o campo <strong>da</strong><br />
activi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> potenciali<strong>da</strong>de individuais.<br />
22 Richard Sennett, A Cultura <strong>do</strong> Novo Capitalismo op. cit., p. 26. ―Os seus resulta<strong>do</strong>s concretizaram-se e<br />
foram expostos em muitas obras de mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século como The Organization Man, de William Whyte,<br />
White Collar, de C. Wright Mill e Bureaucracv de Michel Crozier‖.<br />
23 Richard Sennett, A Cultura <strong>do</strong> Novo Capitalismo op. cit., p. 26 e 27. Sennett cita a experiência <strong>do</strong>s<br />
programa<strong>do</strong>res de software de Silicon Valley que se mostravam ver<strong>da</strong>deiramente entusiasma<strong>do</strong>s com as<br />
possibili<strong>da</strong>des <strong>da</strong> tecnologia e as perspectivas de enriquecimento imediato. Esses jovens especialistas de<br />
electrónica possuem uma mentali<strong>da</strong>de que em na<strong>da</strong> se assemelha à <strong>do</strong>s jovens burocratas descritos por<br />
Whyte e Crozier. Desprezavam a permanência de um objectivo e, quan<strong>do</strong> falhavam, não raramente,<br />
evidenciavam uma grande tolerância perante o fracasso, como se não se sentissem pessoalmente<br />
implica<strong>do</strong>s. Quan<strong>do</strong>, subitamente, Silicon Valley entra em crise com a deslocalização <strong>da</strong>s activi<strong>da</strong>des para<br />
outros lugares, os jovens programa<strong>do</strong>res sentiram-se sós. Sós, descobriram brutalmente o tempo informe<br />
que tanto os entusiasmara, a ausência de regras de procedimento, de regras para seguir adiante. A sua<br />
nova página estava em branco.<br />
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