Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
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155<br />
dela e os amigos que vendiam, e eu já sabia quem eram as pessoas… vendiam<br />
na rua, cafés e assim.<br />
As primeiras vezes que fui comprar tive me<strong>do</strong>… tinha me<strong>do</strong> que me batessem,<br />
que não me vendessem… que não quisessem vender-me por eu ser puto… por<br />
ser arrisca<strong>do</strong> para eles… só que eles também já me conheciam, já sabiam de<br />
quem eu era filho e de quem era irmão… porque eles me aceitaram eu já não<br />
tinha esse me<strong>do</strong>… então ganhei confiança e passei a ir à vontade. Isto enquanto<br />
comprava em pequenas quanti<strong>da</strong>des… assim, durante <strong>do</strong>is anos consumi haxixe<br />
e cannabis sem ter de roubar… era <strong>da</strong><strong>da</strong>, compra<strong>da</strong> com dinheiro de to<strong>do</strong>s, ou<br />
trafica<strong>da</strong> porque, seis ou sete meses depois de começar a consumir, também<br />
comecei a vender…assim foram esses <strong>do</strong>is anos.<br />
Eu vendia na escola, na rua, nas festas aos meus amigos. Às vezes, as pessoas<br />
vinham ter comigo a casa, usan<strong>do</strong> uma desculpa de emprestar um CD ou um<br />
livro e eu vendia em casa… mas isto mesmo no princípio, porque eu vendia às<br />
escondi<strong>da</strong>s <strong>do</strong>s meus pais, mas só deles, porque eu não tinha me<strong>do</strong> de vender,<br />
achava que aquilo me <strong>da</strong>va poder…claro que tinha me<strong>do</strong> de ser apanha<strong>do</strong> pela<br />
polícia, mas fazia com cautela para não ser apanha<strong>do</strong> nem pela polícia nem<br />
pelos meus pais.<br />
Quan<strong>do</strong> tinha saí<strong>da</strong>s ao fim de semana, a minha família <strong>da</strong>va-me algum dinheiro<br />
e eu comecei a juntar de semana para semana e isso permitiu-me juntar o<br />
suficiente para começar a comprar em maior quanti<strong>da</strong>de e começou a <strong>da</strong>r para<br />
eu vender.<br />
Depois, através de <strong>do</strong>is amigos mais velhos que consumiam outras drogas,<br />
iniciei o consumo de heroína. Tinha então 13 anos… foram estes amigos que me<br />
ensinaram a preparar a droga… também não gostei <strong>da</strong> primeira experiência, mas<br />
fui insistin<strong>do</strong>, tal como tinha aconteci<strong>do</strong> <strong>da</strong>s primeiras vezes, e comecei a<br />
gostar… tinham-me fala<strong>do</strong> que era uma droga mais poderosa e disseram-me<br />
que não <strong>da</strong>va dependência… que podia ser feita de semana a semana que não<br />
havia problema… eu descobri que esta droga <strong>da</strong>va dependência quan<strong>do</strong><br />
comecei a ver os meus amigos a quererem consumir to<strong>do</strong>s os dias e comecei a<br />
ver outros também dependentes <strong>do</strong> consumo… é claro que tive me<strong>do</strong>… é uma<br />
droga nova que uma pessoa experimenta e nunca se sabe os factores de risco<br />
<strong>da</strong>quela droga… faz sempre me<strong>do</strong>… era uma droga que comecei a experimentar<br />
e a ver que me <strong>da</strong>va outro tipo de poder perante os meus amigos, e foi isso que<br />
me fez perder o me<strong>do</strong>… eu naquela altura só pensava em controlar tu<strong>do</strong>… era<br />
poder mas não era bem só isso, é mais o querer ser mais <strong>do</strong> que os meus<br />
amigos… afinal eu fui o primeiro entre o grupo de amigos (gente até aos 20<br />
anos) que tinha começa<strong>do</strong> a arriscar com os consumos de heroína… eles só<br />
consumiam ―ganza‖ naquela altura… claro que depois vieram a consumir<br />
também heroína. Eu sentia-me superior, com alcance, melhor <strong>do</strong> que eles. Eu<br />
acho que não havia nenhuma razão, que eu me lembre, para eu querer ser<br />
melhor que eles, porque eles eram iguais a mim… mas a ver<strong>da</strong>de é que eu acho<br />
que vivia sentimentos de inferiori<strong>da</strong>de… eu acho que queria mesmo era viver<br />
uma experiência que me fizesse ser mais <strong>do</strong> que os outros.<br />
Havia facili<strong>da</strong>de de comprar, mas quan<strong>do</strong> comecei eram os meus amigos que<br />
compravam. No princípio eu não pagava, mas quan<strong>do</strong> comecei a evoluir mais<br />
nos consumos, comecei a pagar… tinha dinheiro <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> <strong>do</strong> haxixe e foi na<br />
heroína, fuma<strong>da</strong>, que passei a investir. Mas como não chegava, roubava em<br />
casa, roubava dinheiro, telemóveis e clonava os pin <strong>do</strong>s cartões multibanco…<br />
aprendi a fazer isso com um amigo meu que é técnico de informática e também<br />
consumia.<br />
Nessa altura tinha me<strong>do</strong> de muitas coisas… tinha me<strong>do</strong> <strong>do</strong> meu pai, tinha me<strong>do</strong><br />
<strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des… para ir superan<strong>do</strong> esses me<strong>do</strong>s protegia-me e an<strong>da</strong>va sempre<br />
atrás <strong>do</strong>s meus amigos que faziam as mesmas coisas… apesar de ter esses<br />
me<strong>do</strong>s acabava sempre por fazer as coisas, embora estivesse consciente <strong>da</strong>s<br />
consequências que aqueles comportamentos me podiam trazer… nessa altura a<br />
relação com o meu pai era boa, embora às vezes ele me interrogasse, só que eu<br />
negava sempre… mas o meu pai também tinha problemas graves com o<br />
álcool… não havia muito controlo sobre mim e eu fazia muito o que queria.