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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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156<br />

Nesta fase acabei por deixar quase de traficar haxixe e passei a traficar heroína<br />

e cheguei a altos níveis de ven<strong>da</strong>. Comecei a montar um grupo de pessoas<br />

também ―agarra<strong>da</strong>s‖ que trabalhavam para mim… eu comprava em grandes<br />

quanti<strong>da</strong>des e depois distribuía por 3 ou 4 pessoas que tinham o compromisso<br />

de vender para mim… a esses eu <strong>da</strong>va droga e se a pessoa quisesse consumir<br />

tu<strong>do</strong> consumia, se quisesse guar<strong>da</strong>r parte e vender era com ela… com este<br />

negócio vivi para aí uns três anos.<br />

Nessa altura o que eu queria era fazer dinheiro, investir mais, investir mais,<br />

investir mais… não pensava em na<strong>da</strong>, como sentimentos de culpa ou isso…<br />

sabia que não era um trabalho ―normal‖ mas não pensava se era bom ou mau,<br />

legítimo ou não, a única coisa que pensava era em consumir e vender… era um<br />

negócio de alto risco, ia contra muitas regras, e por isso, também, usava as<br />

pessoas para venderem para mim… eu ficava mais protegi<strong>do</strong>…<br />

Aos 15 anos comecei a consumir cocaína. Como já tinha experimenta<strong>do</strong> outras<br />

drogas e me disseram que esta <strong>da</strong>va ―speed‖, comecei a ficar ansioso por ter<br />

essa experiência… a primeira vez que comecei foi com crack – cocaína que se<br />

usa em pedra, mistura-se com cinza e aquece-se e quan<strong>do</strong> fica meia líqui<strong>da</strong><br />

fuma-se em cachimbo… isto foi durante <strong>do</strong>is meses… depois comecei a<br />

consumir cocaína mas injecta<strong>da</strong>.<br />

A partir <strong>do</strong> momento que iniciei o negócio a grande parte <strong>da</strong>s vezes comecei a<br />

consumir sozinho… o mesmo aconteceu com a cocaína… embora tivesse<br />

começa<strong>do</strong> com um amigo, continuei depois a fazê-lo sempre só… a ver<strong>da</strong>de é<br />

que nesse perío<strong>do</strong> <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong> comecei a querer isolar-me. Não sei bem se<br />

isso se devia às drogas se aos problemas familiares que comecei a ter<br />

consciência… mas gostava de sentir o efeito <strong>da</strong>s drogas sozinho… era prazer,<br />

era poder, era um esta<strong>do</strong> de bem-estar, era esquecimento… só consumia com<br />

os meus amigos quan<strong>do</strong> ia para as festas, tipo concertos e festas de transe… os<br />

meus problemas familiares passavam por ter pais alcoólicos e por não aceitar a<br />

reali<strong>da</strong>de de o meu pai ter aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> a minha mãe… talvez eu também não ter<br />

mãe presente… sentia que podia viver melhor se fosse de outra maneira, e isso<br />

revoltava-me… to<strong>do</strong>s os meus amigos consumiam e, assim, não falava <strong>do</strong>s<br />

meus problemas com eles, nem com ninguém… assim continuava a minha<br />

vi<strong>da</strong>…mas tinha o meu negócio e traficava tu<strong>do</strong>, desde haxixe, cocaína e<br />

heroína…aliás eu antes de consumir cocaína já a traficava…mantive o meu<br />

negócio até 6 meses antes de vir para a Clínica… nessa altura consumi tu<strong>do</strong> até<br />

uma over<strong>do</strong>se… e parei… houve a possibili<strong>da</strong>de de fazer um tratamento nos<br />

Açores mas acabei por ir a tribunal e vir para à Clínica.<br />

Mais para o final <strong>do</strong> tempo <strong>do</strong> meu negócio, fui algumas vezes apanha<strong>do</strong> pela<br />

polícia por posse de drogas… ficavam lá com o meu registo e man<strong>da</strong>vam<br />

esperar porque iria a tribunal. Depois o meu próprio pai fez denúncia na polícia<br />

porque eu an<strong>da</strong>va com comportamentos de fugir de casa, sempre muito<br />

revolta<strong>do</strong>, não acatar na<strong>da</strong> <strong>do</strong> que me dizia, roubos, etc, e foi aí que fui<br />

finalmente chama<strong>do</strong> a tribunal.<br />

Neste processo tive me<strong>do</strong>, muito me<strong>do</strong>, e em tribunal deram-me a escolher ou<br />

ser preso ou vir tratar-me e eu escolhi vir tratar-me…<br />

Acho que consumir é um acto de fuga às normas, mas também é <strong>do</strong>ença porque<br />

afecta muito psicologicamente… quan<strong>do</strong> comecei foi por um interesse<br />

experimental, mas que é de fuga às normas… a <strong>do</strong>ença aparece depois como<br />

consequência <strong>do</strong>s consumos. Sobre o traficar eu achava que fazia isso<br />

principalmente para correr um risco e pensava que era legítimo porque era um<br />

mo<strong>do</strong> de ganhar dinheiro fácil… não precisava de grandes exigências… só é<br />

exigente quan<strong>do</strong> precisamos <strong>do</strong>s outros para os nossos consumos, porque<br />

ficamos dependentes e revolta<strong>do</strong>s para termos os produtos para consumir… com<br />

o próprio negócio tu<strong>do</strong> se torna mais fácil… hoje acho que traficar é uma má<br />

activi<strong>da</strong>de, porque muita gente morre por causa <strong>da</strong> droga… acho que traficar e<br />

consumir são duas activi<strong>da</strong>des bem graves… não posso dizer que uma seja<br />

mais grave <strong>do</strong> que a outra… na altura, para mim, traficar estava justifica<strong>do</strong><br />

porque consumia, era uma maneira de acesso aos consumos.<br />

As drogas são diferentes mas não sei bem explicar o que vem de ca<strong>da</strong> uma…<br />

sei que a minha preferi<strong>da</strong> era a cocaína… deu-me sempre uma sensação de

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