Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
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me levavam aos fins-de-semana, mas tive de deixar de ir porque a filha<br />
deles, <strong>da</strong> minha i<strong>da</strong>de, tinha ciúmes de mim e a directora <strong>do</strong> colégio achou<br />
que isso não me fazia bem. Entretanto o colégio mu<strong>do</strong>u de instalações e<br />
houve várias mu<strong>da</strong>nças. Houve rapazes e raparigas que fugiram e<br />
começaram a entrar pessoas <strong>da</strong> minha i<strong>da</strong>de, aí com dez, <strong>do</strong>ze e catorze<br />
anos, e alguns mais novos. Éramos um grupo de catorze ou quinze<br />
pessoas. Mu<strong>da</strong>ram alguns educa<strong>do</strong>res e começou a ser ca<strong>da</strong> vez mais<br />
liberal, ou seja, tínhamos mais acesso a fazer outras coisas, como por<br />
exemplo sair de tarde, ir <strong>do</strong>rmir a casa de colegas… eu normalmente<br />
tentava esconder que vivia num colégio porque me fazia viver sentimentos<br />
de inferiori<strong>da</strong>de e tinha me<strong>do</strong> que me rejeitassem por eu não viver com os<br />
meus pais… no colégio não falava de na<strong>da</strong>, era desconfia<strong>da</strong>, não contava<br />
na<strong>da</strong> <strong>do</strong>s meus sentimentos. No colégio, com excepção de uma monitora,<br />
não me ligava a ninguém. Era a única pessoa que eu respeitava e ouvia os<br />
seus conselhos. De to<strong>do</strong> o tempo no colégio a vi<strong>da</strong> foi educativa e<br />
passaram-me valores, só que eu punha-os um boca<strong>do</strong> de la<strong>do</strong>. Hoje acho<br />
que as regras que existiam no colégio, respeitar, levar a sério as refeições,<br />
ter horários para cumprir, dizer com quem vou, avisar para o jantar, se me<br />
atrasar telefonar para avisar… o normal, o que se faz em casa<br />
normalmente, em qualquer família, eram importantes… mas e o afecto, e a<br />
atenção, e a amizade… Mas de resto, a principal regra que eu não cumpria<br />
regularmente era a <strong>do</strong>s horários. Considerava isso como estarem a limitar a<br />
minha liber<strong>da</strong>de. Como eu era muito impulsiva, já não cumprir regras<br />
também tinha a ver com isso porque não sabia contrariar-me e quan<strong>do</strong> me<br />
confrontavam eu continuava a agir impulsivamente e não ouvia na<strong>da</strong> nem<br />
ninguém. Não tinha limites… se me contrariavam muito eu destruía as<br />
coisas. Nunca me virei às pessoas, era às coisas…<br />
Considero que as condições de vi<strong>da</strong> no colégio eram boas, eram óptimas.<br />
Tinha o que precisava. Bens materiais, tinha tu<strong>do</strong>, mas afectivamente não<br />
deixava que as pessoas se aproximassem de mim. No colégio só mantive<br />
ligação com uma educa<strong>do</strong>ra. Era a única de quem gostava. Há cerca de<br />
<strong>do</strong>is ou três anos entrou outra de quem também gosto… mas por isso eu só<br />
respeitava essa educa<strong>do</strong>ra de quem gostava. Mas também só passei a <strong>da</strong>r<br />
valor à ligação com outros adultos desde que vim para a Clínica. Até aí não<br />
<strong>da</strong>va grande importância…<br />
O colégio pode ser bom e gratificante para quem quer aproveitar a aju<strong>da</strong><br />
que lhe está a ser ofereci<strong>da</strong>, mas também tem contras que se relacionam<br />
com a equipa técnica e o funcionamento <strong>da</strong> casa… devia haver menos<br />
trabalhos físicos e mais contacto afectivo.<br />
Para se estar bem não basta <strong>da</strong>r comi<strong>da</strong>, cama e assim, é preciso <strong>da</strong>r<br />
afecto. Não havia tempo para falar connosco… eles diziam que tinham de<br />
<strong>da</strong>r atenção aos mais novos e por isso, nós, a<strong>do</strong>lescentes, não tínhamos<br />
essa atenção. Falta de proximi<strong>da</strong>de para nos ouvirem e falar <strong>do</strong> que nos<br />
preocupa… e os tempos livres… também na<strong>da</strong> se organizava… na ver<strong>da</strong>de<br />
tínhamos autorização para sair, mas ai ca<strong>da</strong> um fazia o que queria… às<br />
vezes an<strong>da</strong>va nas ruas com as amigas, algumas <strong>da</strong> escola, ou íamos para<br />
casa de uma de nós… era o que quiséssemos… claro que nessa altura eu<br />
gostava era <strong>da</strong>quela vi<strong>da</strong>, embora também me sentisse só… no colégio<br />
onde fiz a minha vi<strong>da</strong>, eu diria que tive uma vi<strong>da</strong> ―complica<strong>da</strong>mente boa‖…<br />
o colégio acabou por ser uma oportuni<strong>da</strong>de para eu não ficar perdi<strong>da</strong> na<br />
vi<strong>da</strong>, pelo menos isso …este colégio foi bom mas eu sei que nem to<strong>do</strong>s são<br />
assim. Lá é para <strong>da</strong>r educação, como outros, aju<strong>da</strong>r a crescer, mas é difícil<br />
ter afectos à medi<strong>da</strong> que vamos crescen<strong>do</strong>… <strong>do</strong> ponto de vista afectivo<br />
acho que a minha vi<strong>da</strong> foi marca<strong>da</strong> pelo ―crescer sozinha‖… são duas<br />
situações que contribuíram para isso: crescer sem mãe e não ter cria<strong>do</strong><br />
laços fortes com as pessoas no lar…talvez por isso as minhas amizades<br />
fossem sobretu<strong>do</strong> pessoas mais velhas… fora <strong>do</strong> colégio eu era<br />
extroverti<strong>da</strong> e fazia amigos facilmente, mas nem sempre me ligava<br />
realmente… foi sempre o meu problema…<br />
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