Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
matou. Da vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> minha mãe antes de eu nascer não sei na<strong>da</strong>, a não ser<br />
que a relação com o meu pai foi muito pequena. Nunca cheguei a conhecer<br />
o meu pai. Do meu pai não quero falar… não o conheci. Não gosto dele,<br />
nunca quis saber de mim… não sou eu que o vou procurar… nem põe<br />
dinheiro no banco para mim… ele tinha de o fazer. Olhe, <strong>do</strong> meu pai sei que<br />
é traficante, vende drogas, nasceu em Cabo Verde mas agora está em<br />
França… pelo menos estava… tem vários filhos e uma mulher cá, a quem<br />
deu um carro. Tenho cinco irmãos, uma <strong>da</strong> parte de mãe e outros quatro <strong>da</strong><br />
parte de pai. Também sei que já esteve preso, duas vezes. Foi preso uma<br />
vez porque matou e a outra vez porque o apanharam com droga, muita<br />
droga.<br />
A minha mãe continuou presa, vivi lá com ela até aos 6 anos. Desse tempo<br />
não quero lembrar-me, sinto-me mal… sinto-me inferior às outras pessoas<br />
que nasceram num sítio normal… tenho vergonha… lá na cadeia a minha<br />
vi<strong>da</strong> era normal e um boca<strong>do</strong> lixa<strong>da</strong>… uma vi<strong>da</strong> normal? Sim, era como a<br />
<strong>do</strong>s outros bebés. Uma vi<strong>da</strong> lixa<strong>da</strong> porque estava preso e só… só com a<br />
minha mãe. A minha mãe não tinha muito tempo para mim, eu estava<br />
pouco tempo com a minha mãe, porque lá tinha regras e… não me lembro<br />
mais… só sei que não podia estar com a minha mãe quan<strong>do</strong> queria. As<br />
memórias que eu tenho desse tempo são de pouco amor e pouca alegria.<br />
Fecha<strong>do</strong> num quarto, não me lamentava, estava triste com uma educa<strong>do</strong>ra,<br />
às vezes duas ou três, e outros <strong>do</strong>is meninos. Não tinha amor, de outros<br />
adultos, só <strong>da</strong> minha mãe… era um tempo tão triste que olhe, quan<strong>do</strong> fui<br />
para casa <strong>da</strong> minha tia não era capaz de <strong>do</strong>rmir sozinho…<br />
Com aquela i<strong>da</strong>de fui viver com uma tia …. Nessa altura, quan<strong>do</strong> a minha<br />
mãe estava presa, a minha irmã <strong>da</strong> parte de mãe, mais velha <strong>do</strong> que eu,<br />
estava a viver em França em casa de um tio… quan<strong>do</strong> fui viver com a<br />
minha tia fui também para a escola mas comecei a fazer ―porcaria‖,<br />
comecei a fazer ―mer<strong>da</strong>‖ … primeiro na escola, comecei a faltar às aulas,<br />
não acatava ninguém…a escola não era o meu mun<strong>do</strong>… e comecei a ter<br />
amigos negativos que roubavam e comecei a roubar com eles.<br />
Roubávamos carros… depois fizemos um ―gangue‖, o ―gangue <strong>da</strong>s seis e<br />
meia‖.<br />
Quan<strong>do</strong> a minha mãe saiu <strong>da</strong> cadeia fui viver com ela e com a minha irmã.<br />
A minha mãe trabalhava mas não me pergunte em quê porque eu não sei.<br />
Vivíamos num bairro…era um bairro só de pessoas negativas…fumavam<br />
ganza, havia tiroteio, traficavam … um gueto, sabe, um gueto…Um dia,<br />
como eu sempre continuava a fazer ―porcaria‖, um dia a minha mãe e um<br />
meu tio trancaram-me numa despensa, para me ―acalmar‖ e eu rebentei<br />
com a porta e fugi e só pensava em matar-me… eu queria matar-me…<br />
nunca pensei que a minha mãe me fosse fazer isso na vi<strong>da</strong>…eu achava<br />
que ela gostava de mim… mas como ela me trancou eu comecei a pensar<br />
que a minha mãe não me queria, que não gostava de mim…dizia que eu<br />
não lhe <strong>da</strong>va sossego na vi<strong>da</strong>… e então eu dizia para mim, ai é isso que<br />
queres, pois então já vais ter sossego, vou-me matar. O meu padrasto, que<br />
não vivia connosco, foi atrás de mim e eu sempre a fugir, fugir, fugir… e ele<br />
não conseguiu apanhar-me. Sabe, eu era um revolta<strong>do</strong> mas não gostava <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong> que estava a ter… era uma vi<strong>da</strong> de ladrão, uma vi<strong>da</strong> de perdição. Mas<br />
foi o que aprendi no lugar onde vivi. Não falo <strong>da</strong> prisão, falo <strong>do</strong> bairro…<br />
Desse tempo <strong>da</strong> prisão nem quero falar… era triste…<br />
Bem, então, fui ter à escola e quis falar com a minha psicóloga mas o<br />
porteiro não me deixou entrar. Então eu saltei o portão <strong>da</strong> escola e fui ter<br />
com ela…ela perguntou-me como eu tinha entra<strong>do</strong> e eu menti, disse que<br />
manipulei o porteiro e que ele tinha permiti<strong>do</strong>, deixou-me entrar… quan<strong>do</strong><br />
falaram à minha mãe ela pediu que me internassem de emergência num lar,<br />
ou em qualquer sítio que ela já não me aguentava. E assim fui, leva<strong>do</strong> pela<br />
polícia. Tinha na altura 12 anos.<br />
111