Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
passarão a atribuir-lhe uma personali<strong>da</strong>de diferente <strong>da</strong> que anteriormente lhe<br />
reconheciam, passarão a etiquetá-lo e a tratá-lo em conformi<strong>da</strong>de.<br />
150<br />
Becker socorre-se <strong>da</strong> distinção, avança<strong>da</strong> por Hughes, entre<br />
características principais e acessórias de um estatuto para analisar com maior<br />
aprofun<strong>da</strong>mento as consequências que decorrem <strong>do</strong> facto de haver adquiri<strong>do</strong> uma<br />
identi<strong>da</strong>de desviante. Se tivermos em conta que, em geral, os estatutos têm uma<br />
característica principal que serve para distinguir aqueles que ocupam um <strong>da</strong><strong>do</strong><br />
estatuto <strong>do</strong>s que não o ocupam, e que, além disso, existem certas características que,<br />
apesar de acessórias, não deixam de pesar sobre o processo de aquisição de uma<br />
identi<strong>da</strong>de desviante 158 , estaremos em melhores condições para compreender o que<br />
está em causa no processo de formação deste tipo de identi<strong>da</strong>de.<br />
Casos há, em que o acesso a um estatuto bem considera<strong>do</strong> pode ser<br />
recusa<strong>do</strong> porque o indivíduo não reúne as características acessórias considera<strong>da</strong>s<br />
adequa<strong>da</strong>s, apesar de possuir as qualificações formais requeri<strong>da</strong>s para aceder a esse<br />
estatuto.<br />
Já no que respeita ao estatuto desviante, a posse de uma certa<br />
característica desviante pode ter um valor simbólico geral, levan<strong>do</strong> as pessoas a<br />
associar automaticamente outras características ao sujeito em função dessa primeira<br />
característica. To<strong>da</strong>s as características acessórias passam a ser inevitavelmente<br />
inquina<strong>da</strong>s pela característica principal que é ter pratica<strong>do</strong> um delito. Basta um único<br />
delito oficialmente reconheci<strong>do</strong> para que lhe seja atribuí<strong>do</strong> um conjunto de<br />
características acessórias, aliás como a to<strong>do</strong>s os que são classifica<strong>do</strong>s com a etiqueta<br />
de desviantes. Aquele que é reconheci<strong>do</strong> como culpa<strong>do</strong> e qualifica<strong>do</strong> como<br />
delinquente é visto como alguém que pode, com grande probabili<strong>da</strong>de, cometer outras<br />
infracções. Apesar de ter si<strong>do</strong> julga<strong>do</strong> por um único acto desviante corre o risco de ser<br />
considera<strong>do</strong> como desviante ou indesejável noutros aspectos. ―Tratar uma pessoa que<br />
é desviante sob um certo aspecto como se ela o fosse em to<strong>do</strong>s os outros, é enunciar<br />
uma profecia que contribui para a sua própria realização. Assim se põem em jogo<br />
158<br />
Howard Becker, Outsiders. Études de sociologie de la deviance, A. M. Métailié, Paris, 1985, pág. 55 –<br />
56.<br />
―Assim um médico, sejam quais forem as suas outras características, detém um diploma atestan<strong>do</strong> que<br />
ele satisfaz certas exigências e que ele está autoriza<strong>do</strong> a praticar a medicina. No entanto, de maneira<br />
informal, espera-se de um médico que possua certas características acessórias. A maior parte <strong>da</strong>s<br />
pessoas espera que ele seja membro <strong>da</strong>s fracções superiores <strong>da</strong>s classes médias, que seja homem,<br />
branco e protestante. Se tal não for o caso, tem-se o sentimento que, de uma certa maneira, ele não<br />
satisfaz to<strong>da</strong>s as exigências. Do mesmo mo<strong>do</strong>, a cor <strong>da</strong> pele é a característica principal que distingue os<br />
negros <strong>do</strong>s brancos, mas também se espera <strong>do</strong>s negros, de maneira informal, que possuam certas<br />
características de estatuto e não outras; as pessoas consideram surpreendente e anormal que um negro<br />
revele ser médico ou professor <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de. Os indivíduos possuem frequentemente a característica<br />
principal sem possuir as características acessórias espera<strong>da</strong>s de mo<strong>do</strong> informal; por exemplo, certos<br />
médicos são mulheres ou negros.