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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Eu nunca quis saber na<strong>da</strong> <strong>do</strong> meu pai e sabe porquê? Por que a minha<br />

mãe me contou a história dela e contou-me que o meu pai me rejeitou.<br />

Então eu decidi para mim que não iria querer saber dele mesmo que ele<br />

aparecesse. Saber-me rejeita<strong>do</strong> revoltou-me e fez-me sentir grande tristeza.<br />

Disse para mim mesmo que nunca iria contar com ele para na<strong>da</strong>… só<br />

poderia ter a minha revolta e a minha raiva.<br />

Como a minha mãe foi interna<strong>da</strong> no hospital de Alcoitão, decidiu que eu e o<br />

meu irmão gémeo íamos viver enquanto fosse necessário com uma família<br />

amiga, a tal senhora a quem tratávamos por tia…era uma casal com três<br />

filhos mais velhos <strong>do</strong> que nós. Tinham um negócio de ―ferro velho‖. Vivi<br />

nesta família até aos 9 anos, durante to<strong>do</strong> o tempo de recuperação <strong>da</strong><br />

minha mãe. Vivi bem, gostava de lá estar, era bem trata<strong>do</strong> e tinha tu<strong>do</strong> o<br />

que precisava… era um tempo muito ―fixe‖… havia tempo para tu<strong>do</strong>. Eles<br />

eram <strong>do</strong> Norte, sabe, e viviam tipo à mo<strong>da</strong> antiga, quer dizer, tinham uma<br />

casa boa, com lareira, e era preciso aju<strong>da</strong>r nas tarefas em casa. To<strong>do</strong>s<br />

aju<strong>da</strong>vam…nós e os meus primos, to<strong>do</strong>s aju<strong>da</strong>vam… havia harmonia… era<br />

muito bom ambiente. An<strong>da</strong>va na escola e tu<strong>do</strong> corria bem…aos 6 anos<br />

entrei para a primária e fiz até à 4ª classe ain<strong>da</strong> em casa deles.<br />

A partir <strong>do</strong>s 9 anos fui viver com a minha mãe. Apesar dela an<strong>da</strong>r de<br />

cadeira de ro<strong>da</strong>s, sempre foi uma mulher muito forte e destemi<strong>da</strong> e fazia<br />

tu<strong>do</strong>. Aprendeu a li<strong>da</strong>r com a sua <strong>do</strong>ença e a ser, dentro <strong>do</strong>s possíveis,<br />

muito independente. Mas os problemas comigo começam a partir desse<br />

momento, quan<strong>do</strong> tivemos de ir viver para um bairro… sempre foi um bairro<br />

com muito mau ambiente… ain<strong>da</strong> hoje é um lugar de muitos conflitos,<br />

assaltos, violência, roubos e tráfico de droga… ain<strong>da</strong> valeu o ambiente<br />

familiar que era bom… a minha mãe é e sempre foi uma pessoa muito<br />

preocupa<strong>da</strong> comigo e com o meu irmão… estava sempre atenta a ver se<br />

havia algum problema e sempre que tomava conhecimento de algum, como<br />

por exemplo de faltar às aulas, ela ia à escola e depois sentava-me no colo<br />

dela e falava comigo. Nunca houve violência em casa nem agressões…<br />

como estava a dizer, foi por volta <strong>do</strong>s nove para os dez anos que<br />

começaram os meus problemas e eu acho que teve a ver com a vin<strong>da</strong> para<br />

este bairro e eu ser muito impulsivo e revolta<strong>do</strong>. Aos 10 anos estava a<br />

frequentar o 5º ano e ia para a escola que ficava dentro <strong>do</strong> bairro. Passei<br />

para o 6º ano sem negativas, mas foi nesta fase <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong> que<br />

começaram os primeiros consumos, comecei a deixar de ir à escola e a ter<br />

um grupo de amigos com quem fazia a minha vi<strong>da</strong>…já não cheguei a<br />

concluir o 6º ano…‖<br />

Manuel (18 anos)<br />

Conhecemos Manuel na Comuni<strong>da</strong>de Terapêutica, onde residia há<br />

cerca de 18 meses. Ten<strong>do</strong> ingressa<strong>do</strong> por solicitação <strong>do</strong> pai, Manuel apresentava<br />

já uma trajectória de vi<strong>da</strong> marca<strong>da</strong> por muitos roubos, furtos, consumos e tráfico<br />

de drogas. Filho de pais alcoólicos, refere ter resisti<strong>do</strong> mal à sua separação,<br />

sublinhan<strong>do</strong> ain<strong>da</strong> nunca ter consegui<strong>do</strong> perceber o motivo pelo qual os pais se<br />

separaram e nunca ter consegui<strong>do</strong> falar desse acontecimento com eles. Da sua<br />

história de vi<strong>da</strong> realça um clima relacional marca<strong>do</strong> pela ausência de<br />

comunicação com os adultos que assumiam os papéis parentais, onde nunca<br />

pôde falar <strong>do</strong>s seus me<strong>do</strong>s, sentimentos e emoções, nem tão pouco <strong>do</strong> que<br />

poderia ser o seu futuro. Relata, ain<strong>da</strong>, uma vi<strong>da</strong> de ―vai vem‖ entre Açores e<br />

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