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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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destaca o <strong>do</strong>loroso ambiente familiar – o pai era alcoólico e diariamente chegava a<br />

casa embriaga<strong>do</strong>.<br />

Da vi<strong>da</strong> familiar recor<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> sentimentos de me<strong>do</strong>, raiva e tristeza,<br />

suscita<strong>do</strong>s pelo comportamento <strong>do</strong> pai, e a impossibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mãe contrariar esses<br />

comportamentos, uma vez que ela própria era objecto de violência por parte <strong>do</strong> seu<br />

pai. Lamenta também a rejeição de que foi objecto por parte <strong>do</strong>s progenitores. Sobre o<br />

seu percurso de vi<strong>da</strong>, Vasco sublinha que se desenvolveu no senti<strong>do</strong> <strong>da</strong> auto-<br />

destruição. De ano para ano foi ven<strong>do</strong> a sua vi<strong>da</strong> deteriorar-se.<br />

A história de vi<strong>da</strong> de Vasco é um caso ilustrativo de como as<br />

interacções emocionais precoces não só promovem o desenvolvimento cognitivo<br />

mas também um senti<strong>do</strong> moral <strong>do</strong> que é certo e <strong>do</strong> que é erra<strong>do</strong>. No balanço que faz<br />

<strong>da</strong> sua existência Vasco refere que a sua vi<strong>da</strong> foi um processo evolutivo de<br />

degra<strong>da</strong>ção pessoal com expressão numa per<strong>da</strong> progressiva de valores, na<br />

incapaci<strong>da</strong>de de sentir, compreender ou de se importar com os sentimentos <strong>do</strong>s<br />

outros, bem como de construir relações dura<strong>do</strong>uras. As únicas relações que<br />

permaneceram foram as que se criaram unicamente para sustentar o consumo de<br />

drogas, numa perspectiva mais objectal <strong>do</strong> que propriamente de vínculo efectivo.<br />

Sobressaem, no seu discurso, os sentimentos de me<strong>do</strong> e raiva que o caracterizaram<br />

desde criança. Nas suas memórias não há lugar para experiências infantis onde<br />

pudesse ter brinca<strong>do</strong> ou passea<strong>do</strong> com os pais, onde os ―nãos‖ fossem<br />

acompanha<strong>do</strong>s de diálogo ou de qualquer explicação. Dificilmente este jovem<br />

poderia ter aprendi<strong>do</strong> sentimentos de empatia e altruístas, na medi<strong>da</strong> em que<br />

cresceu sem alguém ter si<strong>do</strong> empático e afectuoso com ele, apesar de ter ti<strong>do</strong>, como<br />

reconhece, uma mãe que, nos primeiros anos, lhe garantiu alguma protecção.<br />

Contu<strong>do</strong>, ninguém pode sentir a consistência e a intimi<strong>da</strong>de de um amor dura<strong>do</strong>iro a<br />

não ser que tenha ti<strong>do</strong> essa experiência com alguém ao longo <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> 129 .<br />

―Vivi com os meus pais até aos 7 anos em Gaia. (…) O meu pai era<br />

alcoólico… chegava a casa e havia muito mal-estar. (…) Vivíamos nós e o<br />

meu irmão que era mais velho <strong>do</strong> que eu, mais ou menos, 10 anos. Aos 7<br />

anos, fui para um colégio… foi a segurança social que me foi buscar… e o<br />

meu irmão saiu de casa… devia ter 16 anos. O ambiente em casa era<br />

mau… muito mau… nem sempre havia dinheiro… nem sempre o meu pai<br />

trabalhava… tinha trabalho quan<strong>do</strong> era chama<strong>do</strong> para as obras, outras<br />

vezes não tinha… às vezes não comíamos… em casa ficava eu, a minha<br />

mãe e o meu irmão. (…) O meu pai saía para trabalhar… sempre que<br />

chegava havia barulho… vinha sempre bêba<strong>do</strong> e batia-nos, à minha mãe e<br />

a mim…. Sentia me<strong>do</strong>, sentia raiva… não percebia porque o meu pai me<br />

batia… não conseguia falar com ele… sentia me<strong>do</strong>, ficava triste, tinha me<strong>do</strong><br />

de ficar em casa… sentia me<strong>do</strong> e pensava no que ia ser quan<strong>do</strong> saísse de<br />

lá, pensava se ia parar ao hospital… o meu pai batia-me sempre… por<br />

129 T. Berry Brazelton e Stanley I. Greenspan: A Criança e o seu mun<strong>do</strong>, op. cit., pp. 32-36.<br />

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