Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
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Ora, poderá uma terapia unicamente assente numa relação entre terapeuta<br />
e indivíduo proporcionar as condições necessárias à mu<strong>da</strong>nça intrapsíquica e <strong>da</strong>s<br />
práticas?<br />
Leonar<strong>do</strong><br />
Eu faço pouca terapia… só de vez em quan<strong>do</strong>, porque acho que as<br />
pessoas não me aju<strong>da</strong>m… talvez… talvez eu não me queira aju<strong>da</strong>r… eu<br />
acho que as pessoas não acreditam que eu possa mu<strong>da</strong>r o meu<br />
comportamento e por isso preferem já não ―gastar o seu latim‖… eu acho<br />
que posso mu<strong>da</strong>r mas é difícil e precisava de mais aju<strong>da</strong>… durante anos<br />
aprendi a viver de um mo<strong>do</strong> que aqui tenho de contrariar, como a viver só<br />
como eu queria, sem regras… viver nas drogas é viver para as drogas…<br />
na<strong>da</strong> nos interessa… só a droga… também não se fazem amigos… não<br />
há na<strong>da</strong> para falar a não ser o ter a droga… ou fazer disparates… roubar<br />
outros…acho que nunca pensamos se é bem ou mal… não interessa… o<br />
que precisamos é de ter a droga… eu sinto que precisava de ser mais<br />
aju<strong>da</strong><strong>do</strong>… mas também não sei como me podem aju<strong>da</strong>r mais… talvez<br />
tiran<strong>do</strong>-me os castigos… tiran<strong>do</strong>-me de GI… mas os castigos também são<br />
por eu ser desonesto com as pessoas, só que às vezes sou acusa<strong>do</strong><br />
injustamente, como acho que foi a última vez… eu acho que não me faço<br />
de vítima, mas não sei… sei que é difícil seguir estas regras e a terapia…<br />
<strong>do</strong>s vários instrumentos <strong>da</strong> terapia custa-me mais ser confronta<strong>do</strong> <strong>do</strong> que<br />
partilhar sentimentos… confrontar custa-me mais porque é mais difícil ter<br />
que responder e ter de fazer perguntas aos outros…também não me<br />
apetece… há muitas regras e isso começa a revoltar-me, como por<br />
exemplo ter de cumprir direcções… eu não estava habitua<strong>do</strong> a cumprir<br />
regras e agora tenho de cumprir e isso é difícil para mim… eu acho que<br />
aqui há valores muito importantes para aprender, como por exemplo a<br />
honesti<strong>da</strong>de e a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de… assim, nas palavras, eu não acho difícil<br />
ser isso, mas depois acabo sempre por não conseguir agir… eu acabo<br />
sempre por ―copar‖ culpa por ser desonesto e também não aju<strong>da</strong>r os<br />
outros… acho muito difícil porque é preciso estar sempre a fazer<br />
perguntas e a ouvir e é preciso estar atento aos outros… e isso é difícil de<br />
fazer… Acho que isto aqui é para me fazer bem… para me preparar para<br />
quan<strong>do</strong> eu for lá para fora… aqui acho, com o que estou a aprender, que<br />
quan<strong>do</strong> sair não vou voltar a tocar nas coisas que tocava antes…drogas e<br />
álcool… não vou voltar a ter os comportamentos que tinha antes… o que<br />
neste programa é mais difícil de aguentar é quan<strong>do</strong> estou de castigo…<br />
custa-me mais e sinto-me mais sozinho… claro que esse tempo em que<br />
estou de castigo é para eu reflectir nos maus comportamentos que tive e<br />
na porcaria que fiz… comportamentos maus como an<strong>da</strong>r à porra<strong>da</strong>, não<br />
cumprir as direcções, estar fecha<strong>do</strong> às pessoas, maltratar as pessoas,<br />
fugir… já fugi muitas vezes… depois a polícia traz-me… fujo porque de<br />
vez em quan<strong>do</strong> fico revolta<strong>do</strong> com coisas que acontecem, como por<br />
exemplo quan<strong>do</strong> me acusam ou quan<strong>do</strong> estou de castigo e começam a<br />
―picar-me‖ mais e eu não aguento… e fujo e vou até ao <strong>Porto</strong>, mas já<br />
cheguei a ir a casa; meto-me escondi<strong>do</strong> na casa de banho <strong>do</strong> Alfa… já<br />
uma vez fui apanha<strong>do</strong> mas não tenho me<strong>do</strong>…quan<strong>do</strong> fui apanha<strong>do</strong> fui<br />
para a polícia de Aveiro e depois trouxeram-me para aqui…<br />
Eu acho que tenho estas dificul<strong>da</strong>des de fazer o programa pela vi<strong>da</strong> que<br />
tive antes de vir para aqui, porque esses valores não estavam na minha<br />
vi<strong>da</strong> antes e agora é difícil tê-los e fazer… esta experiência pode ser útil<br />
para eu vir a mu<strong>da</strong>r os meus comportamentos, mas acredito que quan<strong>do</strong><br />
sair não os vou repetir…