Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
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companheiro e foi viver para a América. Eu fiquei só com a minha avó<br />
a<strong>do</strong>ptiva porque a minha irmã que já tinha 20 anos já tinha saí<strong>do</strong> de casa.<br />
Do tempo em que vivi com a minha mãe lembro-me que foi uma infância<br />
turbulenta… a minha mãe tinha graves problemas de depressão e<br />
esgotamento e era uma consumi<strong>do</strong>ra de álcool… desse tempo lembro-me<br />
ain<strong>da</strong> que não percebia muito bem a vi<strong>da</strong> que levava, porque an<strong>da</strong>va a viver<br />
entre Açores e Canadá… lembro-me de ser um tempo difícil, com falta de<br />
dinheiro para muitas coisas, mas não passamos fome… lembro-me de a<br />
minha mãe só estar comigo à noite, de pouco falarmos e de muitas vezes<br />
me <strong>da</strong>r castigos, sobretu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> estava sob o efeito <strong>do</strong> álcool… a<br />
relação com a minha mãe era… acho que estávamos um boca<strong>do</strong> afasta<strong>do</strong>s,<br />
mas ela também me <strong>da</strong>va carinhos… até que nos aban<strong>do</strong>nou…<br />
Eu não sei porque é que eles se separaram mas nunca aceitei bem esse<br />
acontecimento… ain<strong>da</strong> hoje acho isso… podia estar bem com eles os <strong>do</strong>is,<br />
mas nunca a minha mãe me quis explicar os motivos <strong>da</strong> separação… eu<br />
tentei falar com ela sobre o assunto mas ela não falava… falar de gostos ou<br />
sentimentos nunca era possível… com o meu pai nunca toquei no<br />
assunto… acho que não havia espaço… embora ao longo <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong><br />
estive to<strong>da</strong>s as semanas com o meu pai… ele ia ter comigo e com a minha<br />
irmã aos fins-de-semana e nós saíamos com ele.<br />
A partir <strong>do</strong>s 14 anos fui viver com o meu pai porque ele quis e eu também e,<br />
<strong>da</strong>í para a frente, até vir para a Clínica, com 17 anos, passei a vi<strong>da</strong> entre a<br />
casa <strong>do</strong> meu pai e <strong>da</strong> minha avó a<strong>do</strong>ptiva. A vi<strong>da</strong> com o meu pai foi<br />
corren<strong>do</strong> mais ou menos bem, mas às vezes também era difícil porque ele<br />
também consumia álcool… chegou a fazer tratamentos… mas nos três<br />
últimos anos a minha vi<strong>da</strong> complicou-se muito…<br />
Eu já tinha começa<strong>do</strong> a consumir ―ganza‖ aos 11 anos, foi com essa i<strong>da</strong>de<br />
que comecei a ter os primeiros comportamentos delinquentes… acho que<br />
porque eu era só, quero dizer, fazia o que bem queria e não havia<br />
consequências… eu era <strong>do</strong>no e senhor <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>… mas então a partir<br />
<strong>do</strong>s 14 anos é que já ninguém tinha mão em mim, não havia regras que eu<br />
respeitasse e os limites que me queriam impor só respeitava às vezes…<br />
mas na<strong>da</strong> me acontecia…fiz-me à vi<strong>da</strong>… passei a viver para consumir e<br />
traficar drogas, para ter o meu negócio…<br />
Leonar<strong>do</strong> (16 anos)<br />
115<br />
A primeira vez que nos encontrámos com este jovem, residia numa<br />
Comuni<strong>da</strong>de Terapêutica há cerca de <strong>do</strong>is meses. Aí tinha ingressa<strong>do</strong> por decisão <strong>do</strong><br />
Tribunal e a pedi<strong>do</strong> <strong>da</strong> sua mãe.<br />
Logo no início <strong>do</strong> relato <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> Leonar<strong>do</strong> refere como um<br />
acontecimento significativo o seu pai ter queri<strong>do</strong> vendê-lo. São várias as referências a<br />
um pai ausente que assume como fonte de sofrimento. Sobre a mãe este jovem<br />
descreve episódios que fazem crer que existe uma constante preocupação para<br />
controlar a sua vi<strong>da</strong>. Embora reconheça que a mãe esteve sempre presente, o seu<br />
relato parece indicar que não existia uma relação de boa quali<strong>da</strong>de emocional.<br />
Crescen<strong>do</strong> num contexto de pobreza material que, de certo mo<strong>do</strong>,<br />
contribuiu activamente para o desamparo que o atingiu, foi num habitat desqualifica<strong>do</strong>,<br />
próximo <strong>da</strong> sua residência, junto de um grupo de pares que protagonizava valores