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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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cheguem as férias: viver sem ideal e sem fim transcendente tornou-se possível. … sob<br />

muitos aspectos, esta fórmula traduz o novo espírito <strong>do</strong> tempo, este neo-narcisismo<br />

que nasce <strong>da</strong> deserção <strong>do</strong> político. Fim <strong>do</strong> homo politicus e advento <strong>do</strong> homo<br />

psychologicus.<br />

233<br />

Viver no presente, apenas no presente e não já em função <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e<br />

<strong>do</strong> futuro é o que caracteriza e engendra a socie<strong>da</strong>de narcísica, uma socie<strong>da</strong>de onde<br />

viver para si próprio, sem qualquer preocupação com as tradições nem com a nossa<br />

posteri<strong>da</strong>de. Uma socie<strong>da</strong>de em que o senti<strong>do</strong> histórico sofre a mesma deserção que<br />

os valores e as instituições sociais.<br />

Para que o deserto social seja viável, o Eu deve tornar-se a preocupação<br />

central. O narcisismo, nova tecnologia de controlo flexível e autogeri<strong>do</strong>, socializa,<br />

dessocializan<strong>do</strong>, põe os indivíduos de acor<strong>do</strong> com um social pulveriza<strong>do</strong>, glorifica a<br />

plena realização <strong>do</strong> Ego puro. Mas, to<strong>da</strong>via, quanto mais o Eu é objecto de atenção e<br />

de interpretação, mais a incerteza e a interrogação crescem. O neo-narcisismo não se<br />

contentou em neutralizar o universo social, esvazian<strong>do</strong> as instituições <strong>do</strong>s seus<br />

investimentos emocionais, corroeu o Eu.<br />

Tal como o espaço público se esvazia emocionalmente por excesso de<br />

informações, de solicitações e de animações, também o Eu se tornou um ―conjunto<br />

frouxo‖, se dissolveu por força <strong>da</strong> nova ética permissiva e he<strong>do</strong>nista. O esforço deixou<br />

de estar na mo<strong>da</strong>, tu<strong>do</strong> o que possa significar coerção ou disciplina austera é<br />

desvaloriza<strong>do</strong> em proveito <strong>do</strong> culto <strong>do</strong> desejo e <strong>da</strong> sua realização imediata. A cultura<br />

<strong>da</strong> expressão e a ideologia <strong>do</strong> bem-estar estimulam a dispersão em detrimento <strong>da</strong><br />

concentração, o temporário em vez <strong>do</strong> voluntário, o aniquilamento <strong>do</strong>s sistemas<br />

psíquicos organiza<strong>do</strong>s e sintéticos em favor <strong>da</strong> fragmentação 238 . Desde há vinte e<br />

cinco ou trinta anos, são as desordens de tipo narcísico que constituem a maior parte<br />

<strong>da</strong>s perturbações psíquicas trata<strong>da</strong>s pelos terapeutas, enquanto as neuroses<br />

«clássicas» <strong>do</strong> século XIX, histerias, fobias, obsessões, a partir <strong>da</strong>s quais a<br />

psicanálise se constituiu, deixaram de representar a forma pre<strong>do</strong>minante <strong>do</strong>s<br />

sintomas. As perturbações narcísicas apresentam-se sob a forma de ―perturbações<br />

caracteriais‖ cujo traço mais característico remete para um mal-estar difuso e invasor,<br />

para um sentimento de vazio interior e de absur<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, para uma incapaci<strong>da</strong>de de<br />

sentir as coisas e os seres.<br />

238 Gilles Lipovetsky, A era <strong>do</strong> vazio – Ensaio sobre o individualismo contemporâneo,,op. cit.,pág. 56 “A<br />

falta de atenção <strong>do</strong>s alunos, de que to<strong>do</strong>s os professores hoje se queixam, não é senão uma <strong>da</strong>s formas<br />

desta nova consciência cool e desenvolta, ponto por ponto análoga à consciência telespecta<strong>do</strong>ra,<br />

capta<strong>da</strong> por tu<strong>do</strong> e por na<strong>da</strong>, ao mesmo tempo excita<strong>da</strong> e indiferente, sobressalta<strong>da</strong> pelas informações,<br />

consciência opcional, dissemina<strong>da</strong>, nos antípo<strong>da</strong>s <strong>da</strong> consciência voluntária, «intro-determina<strong>da</strong>».

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