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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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diversos mecanismos que concorrem para modelar a pessoa à imagem que os outros<br />

fazem dela‖ 159 .<br />

151<br />

No que respeita ao uso <strong>da</strong>s drogas opiáceas, ocorre que a pessoa que<br />

ganhou a reputação de toxicodependente tem to<strong>da</strong>s as hipóteses de vir a perder o<br />

emprego mesmo que isso não afecte necessariamente as suas capaci<strong>da</strong>des de<br />

trabalho. Pode concluir-se que este tipo de constrangimento contribui para atirar o<br />

indivíduo para outros tipos de activi<strong>da</strong>des ilegítimas, tais como o roubo.<br />

Também as mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de tratamento, especialmente as que<br />

privilegiam a repressão, podem contribuir para aumentar a desviância. Em face <strong>da</strong><br />

impossibili<strong>da</strong>de de obter a droga por vias legais, nasce um merca<strong>do</strong> clandestino que<br />

faz subir os preços muito para além <strong>do</strong> que seria o preço corrente no merca<strong>do</strong> legal.<br />

Assim se torna, para muitos, impossível aceder ao consumo, a não ser por vias<br />

ilegítimas. É em resulta<strong>do</strong> <strong>da</strong> reacção social ao consumo <strong>da</strong>s drogas que o<br />

toxicodependente é remeti<strong>do</strong> para uma posição tal que lhe facilitará o recurso à fraude<br />

e ao delito para aceder à sua <strong>do</strong>se habitual. Pode, então, dizer-se que a sua conduta<br />

resulta menos de proprie<strong>da</strong>des inerentes à acção desviante <strong>do</strong> que <strong>da</strong>s reacções <strong>do</strong>s<br />

outros à sua desviância, que o mesmo é dizer, a maneira como se tratam os<br />

desviantes equivale a recusar-lhes os meios de realizarem as activi<strong>da</strong>des rotineiras <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong> quotidiana. É devi<strong>do</strong> a esta recusa que o desviante deve necessariamente pôr em<br />

acto práticas rotineiras ilegítimas 160 .<br />

A última etapa de uma carreira desviante consiste em entrar num grupo<br />

desviante organiza<strong>do</strong>. Os procedimentos precisos que acompanham a entra<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

pessoa num grupo organiza<strong>do</strong> influenciam fortemente a concepção que o indivíduo<br />

tem de si mesmo. A vivência em comum <strong>da</strong> desviância faz nascer o sentimento de ter<br />

um destino comum, de estar no mesmo barco. É essa consciência de partilhar um<br />

mesmo destino e de conviver com os mesmos problemas que engendra uma sub -<br />

cultura desviante, isto é, um ‖conjunto de ideias e de pontos de vista sobre o mun<strong>do</strong><br />

social e sobre o mo<strong>do</strong> de a ele se a<strong>da</strong>ptar, assim como um conjunto de activi<strong>da</strong>des<br />

159 Howard Becker, Outsiders. Études de sociologie de la deviance, op. cit., pág. 57.<br />

160 Howard Becker,, Outsiders. Études de sociologie de la deviance, op. cit., pág. 59 a 60. Becker nota<br />

que nem to<strong>do</strong>s os indivíduos que cometem um acto desviante e que são qualifica<strong>do</strong>s de desviantes se<br />

comportam, inevitavelmente, de mo<strong>do</strong> a acentuar a sua desviância, que nem sempre as profecias se<br />

verificam e os mecanismos funcionam. Quais são, então, os factores que tendem a impedir ou a<br />

interromper o processo de amplificação <strong>da</strong> desviância e em que circunstâncias entram em acção?<br />

Se o indivíduo é preso pela primeira vez em circunstâncias e num momento em que ain<strong>da</strong> tem a escolha<br />

entre duas linhas de conduta opostas, o seu acto não engendra necessariamente uma amplificação <strong>da</strong><br />

desviância. Coloca<strong>do</strong>, pela primeira vez, perante as consequências últimas e brutais que a sua acção<br />

pode tomar, ele pode decidir que não é desejável envolver-se mais na via <strong>da</strong> desviância e arrepiar<br />

caminho. Se ele faz a boa escolha, o seu regresso à comuni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s pessoas que respeitam as normas<br />

será bem acolhi<strong>do</strong> por estes; mas se ele toma a má direcção, ele será rejeita<strong>do</strong> e estabelecerá um ciclo<br />

de amplificação <strong>da</strong> sua desviância‖.

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