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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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uma reali<strong>da</strong>de social arquitecta<strong>da</strong> fora <strong>da</strong> sua decisão. As burocracias de trabalho fixo<br />

eram uma promessa de inclusão social 26 . No novo paradigma, essas condições<br />

institucionais desapareceram, designa<strong>da</strong>mente através <strong>do</strong> fim <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r estável e<br />

disciplina<strong>do</strong> e <strong>do</strong> fim <strong>do</strong> princípio de autodisciplina basea<strong>da</strong> na obtenção de uma<br />

gratificação diferi<strong>da</strong> no tempo. A poupança para o futuro, a própria essência <strong>da</strong> ética<br />

protestante, está vicia<strong>da</strong> pela debili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s estruturas: já não há portos seguros.<br />

Mesmo que o trabalho possa permanecer um valor importante para os indivíduos, o<br />

prestígio moral <strong>do</strong> trabalho é transforma<strong>do</strong> devi<strong>do</strong> à inviabilização <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong><br />

gratificação diferi<strong>da</strong>, tal como <strong>da</strong> reflexão estratégica a longo prazo.<br />

Para os trabalha<strong>do</strong>res desprovi<strong>do</strong>s de poder, o problema mais delica<strong>do</strong><br />

reside na questão <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de laboral. Nas socie<strong>da</strong>des actuais, milhões de<br />

indivíduos confrontam-se com a possibili<strong>da</strong>de de serem torna<strong>do</strong>s inúteis e submeti<strong>do</strong>s<br />

a um futuro incerto. Como diz Sennett, três forças mol<strong>da</strong>m o espectro <strong>da</strong> inutili<strong>da</strong>de<br />

como ameaça moderna: a oferta mundial <strong>do</strong> trabalho, a automatização e a gestão <strong>do</strong><br />

envelhecimento.<br />

Graças à revolução na informática e na microelectrónica, os industriais<br />

podem responder não só rapi<strong>da</strong>mente às variações <strong>da</strong> procura, pois as máquinas são<br />

susceptíveis de reconfigurações rapidíssimas, como também executar num escasso<br />

intervalo de tempo bruscas a<strong>da</strong>ptações <strong>da</strong> produção quan<strong>do</strong> essas variações ocorrem,<br />

manten<strong>do</strong> assim poucos bens em reserva. Hoje, a automatização proporciona assim<br />

ver<strong>da</strong>deiros benefícios na produtivi<strong>da</strong>de e permite fazer economias na mão-de-obra 27 .<br />

Isto equivale a dizer que os trabalha<strong>do</strong>res modernos estão finalmente confronta<strong>do</strong>s<br />

com o espectro <strong>da</strong> inutili<strong>da</strong>de automatiza<strong>da</strong>. As máquinas de que dispomos hoje<br />

podem absorver qualquer tipo de tarefas. Como observou o analista <strong>do</strong> trabalho<br />

26 Richard Sennett, A Cultura <strong>do</strong> Novo Capitalismo op. cit., pág. 30 e seguintes. Weber via na organização<br />

pirami<strong>da</strong>l uma certa forma de justiça social, embora houvesse acaba<strong>do</strong> por observar que quem faz to<strong>da</strong> a<br />

sua carreira laboral numa instituição desse tipo vive numa ―jaula de ferro‖. O indivíduo conforma-se com o<br />

modelo de vi<strong>da</strong> que alguém definiu para ele. O que leva as pessoas a procederem desse mo<strong>do</strong>? A<br />

resposta de Weber é que as burocracias ensinam a disciplina <strong>da</strong> gratificação diferi<strong>da</strong>. É na expectativa de<br />

uma recompensa futura, que um dia acontecerá se, entretanto, obedecermos às normas, que nos<br />

dispomos a executar activi<strong>da</strong>des imediatas que nos são impostas. Subir os escalões <strong>da</strong> burocracia pode<br />

converter-se num mo<strong>do</strong> de vi<strong>da</strong>. Apesar de ser uma prisão, a ―jaula de ferro‖ também se pode tomar um<br />

lar psicológico. As ―jaulas de ferro‖ estruturaram o tempo de convivência com os outros. Mais ain<strong>da</strong>, as<br />

estruturas burocráticas fornecem a oportuni<strong>da</strong>de para interpretar o poder, para lhe conferir um senti<strong>do</strong> no<br />

terreno. Desse mo<strong>do</strong>, dão aos indivíduos a sensação de serem agentes. Assimilamos a burocracia à<br />

estabili<strong>da</strong>de e à solidez.<br />

27 Richard Sennett, A Cultura <strong>do</strong> Novo Capitalismo op.cit., pág. 68 Dois exemplos: de 1998 a 2002, a<br />

Sprint Corporation aumentou em 15% a sua produtivi<strong>da</strong>de graças a um software avança<strong>do</strong> de<br />

reconhecimento vocal e aumentou em 4,3% as suas receitas de ano para ano, dispensan<strong>do</strong> ao mesmo<br />

tempo 11 500 trabalha<strong>do</strong>res; de 1982 a 2002, na indústria pesa<strong>da</strong>, a produção de aço nos Esta<strong>do</strong>s<br />

Uni<strong>do</strong>s passou de 75 para 102 milhões de tonela<strong>da</strong>s, enquanto o número de trabalha<strong>do</strong>res caiu de<br />

289000 para 74 000. Esses empregos não foram exporta<strong>do</strong>s; na sua maioria foram substituí<strong>do</strong>s por<br />

máquinas sofistica<strong>da</strong>s.<br />

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