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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Como lhe contei, o meu pai era alcoólico e eu vivi na rua com ele durante<br />

muito tempo… teve tempos que trabalhava a trolha, nas obras, outros em<br />

que esteve sem trabalho… e eu, antes de ir para o colégio já me <strong>da</strong>va com<br />

pessoas que consumiam… durante uns tempos não consumi mas depois<br />

achei que era uma forma, uma maneira de estar na vi<strong>da</strong>… era uma via para<br />

procurar ser feliz… quan<strong>do</strong> pensava, eu percebia que tinha problemas, o<br />

meu pai, a vi<strong>da</strong> que levava, mas eu não queria que fosse assim, eu não<br />

queria aquela vi<strong>da</strong>…o não fazer na<strong>da</strong>…não, não ia à escola… era um dia a<br />

dia de revolta e de tristeza… mas eu acabava por me sentir bem sempre<br />

que consumia… acontecia-me como aos outros com quem o fazia… éramos<br />

um grupo e consumíamos juntos… nunca precisei de comprar a outros…<br />

sempre me deram no grupo… às vezes também roubava produtos no<br />

supermerca<strong>do</strong> para aju<strong>da</strong>r o grupo na compra <strong>do</strong>s produtos…havia sempre<br />

uns que faziam as ven<strong>da</strong>s e arranjavam as drogas…depois habituei-me<br />

àquela vi<strong>da</strong>, e quan<strong>do</strong> me puseram no colégio interna eu já fugia, não ia às<br />

aulas e ia ter com esses amigos <strong>do</strong> bairro, em Valongo, onde eu tinha<br />

passa<strong>do</strong> uns tempos… consumia ―charros‖, haxixe…<br />

164<br />

Nesta fase <strong>da</strong> carreira, o fuma<strong>do</strong>r é capaz de prever a utilização <strong>da</strong> droga<br />

e de escolher os momentos em que pensa poder fazê-lo. É esta antecipação que o<br />

leva a adquirir a convicção de que <strong>do</strong>mina a droga e de que o seu consumo é inócuo.<br />

Não se concebe como escravo <strong>da</strong> droga porque se sente capaz de não consumir<br />

durante certos perío<strong>do</strong>s, o que, aos seus olhos, é a prova de que continua livre <strong>da</strong><br />

dependência 174 . Adquiriu a convicção de que as noções convencionais a respeito <strong>da</strong>s<br />

drogas não se aplicam ao seu caso.<br />

Rui<br />

Comecei a fumar haxixe com 9 anos… era drogas, assim. Era haxixe… mas<br />

não era tipo sempre a consumir, era às vezes, só… fumava charros, alguns<br />

dias fumava to<strong>do</strong>s os dias mas outros não… era quan<strong>do</strong> arranjava… sentiame<br />

bem… era como se fosse mais forte e ocupava o tempo sem me<strong>do</strong>… e<br />

era como os outros mais velhos… eu queria ser como eles…a droga<br />

arranjava com dinheiro, eu e mais três amigos… agora um está no <strong>Porto</strong>,<br />

num colégio interno, mais um amigo brasileiro, mais um que era cigano. O<br />

que está no colégio era mais velho <strong>do</strong> que eu um ano, o outro tinha 14 ou<br />

15 anos…fomos to<strong>do</strong>s man<strong>da</strong><strong>do</strong>s, pelo tribunal e as famílias, para colégios<br />

ou como eu para a Comuni<strong>da</strong>de… mas nem sei para quê…diz que era para<br />

me tratar e mu<strong>da</strong>r os meus comportamentos… não fazia na<strong>da</strong> de especial,<br />

fazia o que os outros faziam… se roubava era para os consumos… mas lá<br />

no bairro era assim … era esse ambiente…<br />

Também havia pessoas muito pobres, mas outros nem tanto… eu já lhe<br />

disse que vivíamos com dificul<strong>da</strong>des porque a minha avó aju<strong>da</strong>va muitos<br />

filhos e o meu pai nem sempre <strong>da</strong>va o dinheiro para mim… a minha mãe<br />

174 Howard Becker, Outsiders, Études de sociologie de la deviance op.cit., pág. 99 ―Gosto bem de<br />

consumir, e a maior parte <strong>da</strong>s vezes é o que faço, quan<strong>do</strong> quero relaxar, fazer algo que me dá prazer,<br />

como ouvir um disco clássico ver<strong>da</strong>deiramente bom, ouvir uma emissão de rádio, ver um filme, ou algo<br />

semelhante. Qualquer coisa que eu possa usufruir com tranquili<strong>da</strong>de, não qualquer coisa em que<br />

participo, como…eu jogo golfe no verão e entre as pessoas com quem jogo, há quem consuma e plane<br />

durante o jogo; isso eu não posso compreender, porque quan<strong>do</strong> se participa em algo, desejamos ter o<br />

espírito concentra<strong>do</strong> no que se faz e em na<strong>da</strong> mais, porque eu creio…eu sei que isso me desconcentra<br />

e…eu penso que não se pode fazer assim bem‖.

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