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tempo e ao lugar — mesmo tendo em mente o comportamento sem<br />
verniz das crianças americanas nas escolas —, ainda acreditava que<br />
quaisquer práticas entre aqueles pirralhos impetuosos só ocorriam a<br />
uma idade mais tardia, e num outro ambiente. Portanto (retomando o fio<br />
desta explanação), o moralista em mim contornou a questão aferrandose<br />
à concepção convencional de como devia ser uma garota de doze<br />
anos. O terapeuta infantil em mim (um vigarista, como quase todos são<br />
— mas não importa) regurgitava um composto neofreudiano e conjurava<br />
uma Dolly sonhadora e exagerada na fase de “latência” da meninice.<br />
Finalmente, o sensualista em mim (um monstro imenso e louco) não<br />
fazia qualquer objeção a alguma depravação da parte de sua presa. Mas<br />
em algum ponto além do feroz deleite, sombras perplexas<br />
conferenciavam — e não ter-lhes dado voz, eis do que me arrependo!<br />
Seres humanos, atentai! Eu devia ter compreendido que Lolita já<br />
demonstrara ser bem diferente da inocente Annabel, e que o mal nínfico<br />
que exalava de cada poro da criança fatídica que eu destinara a meu<br />
deleite secreto tornaria o sigilo impossível, e o deleite, letal. Eu devia ter<br />
percebido (pelos sinais que me fazia alguma coisa em Lolita — a Lolita<br />
criança de verdade ou algum anjo contrariado por trás das suas costas)<br />
que nada além de dor e horror resultaria do arrebatamento que eu<br />
esperava. Oh, alados senhores do júri!<br />
E ela era minha, era minha, a chave estava em meu punho, meu<br />
punho estava em meu bolso, ela era minha. No decorrer das evocações e<br />
dos esquemas a que eu dedicara tantas insônias, eu fora eliminando aos<br />
poucos toda interferência supérflua e, empilhando camada sobre<br />
camada de visão translúcida, chegara a uma imagem final. Nua, exceto<br />
por uma das meias e sua pulseira da sorte, escarrapachada na cama<br />
onde meu filtro a derrubara — assim eu a antevislumbrava; a fita de<br />
veludo que lhe prendia os cabelos ainda estava agarrada em sua mão;<br />
seu corpo cor de mel, com a imagem branca negativa de um maiô<br />
delineada contra seu bronzeado, apresentava-me seus pálidos brotos de<br />
seios; à luz rosada dos abajures, uma escassa penugem pubiana reluzia<br />
em seu montículo carnudo. A chave fria com seu quente adendo de<br />
madeira estava no meu bolso.<br />
Percorri várias salas públicas, luz intensa embaixo, sombra em cima;<br />
pois a luxúria tem sempre um ar sombrio; a luxúria nunca sabe<br />
totalmente ao certo — mesmo com a vítima aveludada trancafiada em<br />
nossa masmorra — se algum demônio rival ou deus influente não irá<br />
cancelar o triunfo que preparamos. Como se diz na língua corrente, eu<br />
precisava de uma bebida; mas não havia bar naquele lugar venerável<br />
repleto de filisteus suarentos e objetos de época.<br />
Segui até o banheiro dos homens. Ali, uma pessoa ostentando o<br />
negro clerical — uma “pessoa corpulenta”, comme on dit —, conferindo,