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espreguiçadeiras que tentava deslocar. Zebras encarnadas! Certas<br />
eructações soam como aplausos — pelo menos era o caso das minhas.<br />
Uma velha cerca nos fundos do jardim separava-nos das lixeiras e dos<br />
lilases da garagem do vizinho, mas não havia nada entre a parte<br />
dianteira do nosso gramado (a partir da qual este se estendia em declive<br />
ao longo de um dos lados da casa) e a rua. De maneira que eu poderia<br />
ver (com o sorriso afetado de quem pratica uma boa ação) a volta de<br />
Charlotte: esse dente precisa ser extraído de uma vez. Enquanto eu<br />
pilotava o cortador de grama em investidas e guinadas, fazendo os<br />
fragmentos de folhas trilarem visualmente à luz do sol baixo, não tirava o<br />
olho daquele trecho de rua residencial. Ela descrevia uma curva depois<br />
de emergir da sombra de um arco de árvores imensas, e depois<br />
acelerava em nossa direção, descendo, descendo cada vez mais<br />
depressa, passando junto à porta da casa de tijolos envolta em hera e ao<br />
gramado em encosta (muito mais bem aparado que o nosso) da velha<br />
Srta. Defronte e em seguida desaparecendo por trás da nossa varanda da<br />
frente, que eu não tinha como ver lá de onde arrotava no meu afã. Os<br />
dentes-de-leão sucumbiam. Um aroma de seiva misturava-se ao abacaxi.<br />
Duas meninas, Marion e Mabel, cujas idas e vindas eu acompanhava<br />
mecanicamente nos últimos tempos (mas quem poderia substituir<br />
minha Lolita?), seguiram na direção da avenida (da qual nossa Lawn<br />
Street descia em cascata), uma levando uma bicicleta e a outra se<br />
alimentando com o conteúdo de um saco de papel, as duas falando o<br />
mais alto que lhe permitiam suas vozes luminosas. Leslie, o jardineiro e<br />
chofer da velha Srta. Defronte, um negro muito atlético e amistoso,<br />
sorriu para mim de longe e gritou, tornou a gritar e comentou com<br />
gestos que hoje eu estava cheio de energia. O cachorro idiota do nosso<br />
próspero vizinho negociante de sucata saiu correndo atrás de um carro<br />
azul — não o de Charlotte. A mais bonita das duas meninas (Mabel, acho<br />
eu), short e bustier com muito pouco a cobrir, cabelos claros — uma<br />
ninfeta, por Pã! —, voltou correndo rua abaixo amarrotando seu saco de<br />
papel e acabou oculta das vistas deste Bode Verde pela fachada da<br />
residência do sr. e sra. Humbert. Uma caminhonete brotou da sombra<br />
das copas da avenida, trazendo um pouco dela em seu teto antes que a<br />
mancha de sombra conseguisse desprender-se, e fez a curva à minha<br />
frente a uma velocidade cretina, o motorista de camiseta sustentando o<br />
teto do carro com a mão esquerda e o cachorro do dono do ferro-velho<br />
disparado ao lado dele. Houve uma pausa sorridente — e então, com um<br />
alvoroço em meu peito, testemunhei o retorno do Sedã Azul.<br />
Acompanhei-o com os olhos enquanto deslizava ladeira abaixo e<br />
desaparecia por trás do canto da casa. Tive um vislumbre do perfil dela,<br />
pálido e contido. Ocorreu-me que até chegar ao segundo piso ela não<br />
tinha como saber se eu partira ou não. Um minuto mais tarde, com uma