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utal”, o jovem Humbert residente em Paris sabe perfeitamente que<br />
poderia conseguir, com um simples estalar de dedos, a mulher que<br />
quisesse “dentre as muitas beldades ensandecidas que insistiam em<br />
fustigar” seus “penhascos implacáveis”.<br />
Permitam-me repetir com uma energia serena: eu era, e ainda sou, apesar de mes<br />
malheurs, um homem de excepcional boa aparência; alto, com gestos pausados,<br />
sedosos cabelos escuros e traços um tanto tristes mas por isso mesmo mais sedutores.<br />
A virilidade excepcional... [etc. etc.]<br />
Em seu primeiro encontro com Lolita, Humbert passa ao lado dela<br />
envergando o que define como seu “disfarce de adulto (um belo e alto<br />
exemplar de hombridade hollywoodiana)”. “Tenho todas as<br />
características”, explica ele adiante, em mais detalhe,<br />
que, segundo os autores que tratam dos interesses sexuais nas crianças, costumam<br />
despertar uma excitação rudimentar entre as meninas mais novas: queixo bem definido,<br />
mãos poderosas, voz grave e sonora, ombros largos. Além disso, dizem que lembro um<br />
certo cantor ou ator que Lo adora.<br />
Algumas páginas além, ele se pergunta se deveria apelar para um<br />
recurso comum no mundo do cinema: “Uma garota moderna, leitora<br />
ávida de revistas de cinema, especialista em close-ups lentos como<br />
sonhos, podia não achar muito estranho, pensei, que um amigo adulto,<br />
bem-apanhado e intensamente viril — tarde demais.” Logo em seguida,<br />
Humbert experimenta um par de calções de banho novos em frente ao<br />
espelho, e se transforma devidamente (a essa altura já desposou a mãe)<br />
“num verdadeiro modelo bronzeado” à beira do Lago da Ampulheta.<br />
Mais ou menos ao fim do primeiro terço do romance, com a beldade<br />
um tanto excessiva de Humbert devidamente estabelecida, Nabokov faz<br />
Humbert dizer, com inimitável pormenor:<br />
Não sei se nestas notas trágicas enfatizei suficientemente o peculiar efeito “eletrizante”<br />
que a aparência do autor — pseudocéltica, atraentemente simiesca, jovialmente máscula<br />
— tinha sobre as mulheres de todas as idades e todos os meios. Claro que uma<br />
proclamação como esta feita na primeira pessoa pode soar ridícula. Mas de tempos em<br />
tempos preciso lembrar ao leitor minha aparência, assim como um romancista<br />
profissional, depois de dar a um de seus personagens um maneirismo ou um cão, precisa<br />
continuar a apresentar esse cão ou o mesmo maneirismo cada vez que o personagem<br />
surgir em cena no decorrer do livro. No caso em pauta, porém, pode haver mais coisa<br />
em jogo. Minha boa aparência tristonha precisa estar sempre em mente para que minha<br />
história seja devidamente compreendida. A pubescente Lo desfalecia tanto diante dos<br />
encantos de Humbert quanto ao som das canções soluçantes...<br />
“Soluçante” evoca mais que adequadamente os vocalistas do período,<br />
aqueles ídolos românticos do panteão dos “homens dos sonhos” de uma<br />
adolescente no qual, como Humbert mais tarde diz a Lolita, ele teve por<br />
um tempo o privilégio de figurar. Em suas considerações finais, quando<br />
Nabokov fala das alegrias da “vulgaridade filisteia”, não se refere apenas