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enquanto escrevia em meu quarto; mas só hoje a armadilha funcionou.<br />

Com grande excesso de hesitação adicional, delongando e arrastando os<br />

pés — de modo a disfarçar o quanto ficava encabulada de vir visitar-me<br />

sem convite —, Lo entrou e depois de explorar um pouco à sua volta<br />

interessou-se pelos arabescos de pesadelo que eu traçara numa folha de<br />

papel. Oh, não: não eram o produto da pausa inspirada do beletrista<br />

entre dois parágrafos; eram os horrendos hieróglifos (que ela não foi<br />

capaz de decifrar) do meu desejo fatídico. Quando ela reclinou os cachos<br />

castanhos sobre a mesa a que eu estava sentado, Humbert o Rouco<br />

passou o braço à sua volta numa triste imitação de familiaridade; e<br />

sempre examinando, com uma certa miopia, o pedaço de papel que<br />

tinha nas mãos, minha pequena e inocente visita assumiu aos poucos<br />

uma posição meio sentada sobre meu joelho. Seu adorável perfil, seus<br />

lábios separados, seus cabelos mornos estavam a menos de dez<br />

centímetros do meu canino à mostra; e eu sentia o calor de seus braços<br />

e pernas através das suas roupas ásperas e masculinizadas. Na mesma<br />

hora percebi que poderia beijar seu pescoço ou o canto de sua boca com<br />

perfeita impunidade. Sabia que ela não iria resistir, e até fecharia os<br />

olhos como ensina Hollywood. Um sorvete duplo de baunilha com calda<br />

quente de caramelo — só um pouco mais incomum que isso. Não tenho<br />

como dizer a meu douto leitor (cujas sobrancelhas, suspeito, a essa<br />

altura já devem ter ultrapassado o topo da sua calva), não tenho como<br />

dizer-lhe de que modo essa certeza me ocorreu; pode ser que minha<br />

audição de símio tenha captado inconscientemente alguma ligeira<br />

alteração no ritmo de sua respiração — pois agora ela não estava mais<br />

propriamente fitando os meus rabiscos, e sim esperando, curiosa e<br />

composta — ó, minha límpida ninfeta! —, que o glamoroso inquilino<br />

fizesse o que morria de vontade de fazer. Uma garota moderna, leitora<br />

ávida de revistas de cinema, especialista em close-ups lentos como<br />

sonhos, podia não achar muito estranho, pensei, que um amigo adulto,<br />

bem-apanhado e intensamente viril — tarde demais. A casa vibrava<br />

subitamente com a voz da volúvel Louise contando à recém-chegada<br />

senhora Haze que ela e Leslie Tomson tinham encontrado alguma coisa<br />

morta no porão, e a pequena Lolita jamais iria perder uma história como<br />

aquela.<br />

Domingo. Volúvel, mal-humorada, alegre, desajeitada, graciosa com<br />

a graça mordente de sua corcoveante pré-adolescência,<br />

insuportavelmente desejável da cabeça aos pés (típica da Nova<br />

Inglaterra para a pena de uma escritora!), do laçarote preto pronto e dos<br />

grampos que prendiam seus cabelos à pequena cicatriz na parte inferior<br />

de sua canela lisa (onde fora atingida por um patinador de Pisky), alguns<br />

centímetros acima de suas meias soquete ásperas e brancas. Foi com a<br />

mãe à casa dos Hamilton — uma festa de aniversário ou coisa assim.

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