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dela” — na verdade todas as variedades de adolescentes desengonçados<br />

e aromáticos, “do bocó suarento eletrizado com a ideia de ‘ficar de mãos<br />

dadas’ ao estuprador cheio de si com pústulas no rosto e um carro<br />

envenenado”. (A acne está por toda parte: até um caminhão exibe<br />

“furúnculos traseiros”.) E quando o rival é Quilty, um adulto, um “irmão”<br />

(que fisicamente lembra um primo de Humbert), e quando a admiração<br />

dele é correspondida pela “vadia perversa e adorada”, a prosa se<br />

congestiona com uma lírica repugnância; o asco é autêntico, porque em<br />

última instância dirige-se contra si mesmo. À beira da piscina:<br />

Lá estava ele, na camuflagem de sol e sombra, desfigurado pelos dois e mascarado por<br />

sua própria nudez, seus cabelos negros ou o que deles restara colados à cabeça redonda,<br />

o bigodinho uma pincelada úmida, a pelagem de seu peito espalhada como um troféu<br />

simétrico, seu umbigo latejante, suas coxas hirsutas a pingar gotas cintilantes, seu calção<br />

de banho preto e justo estufado e explodindo de vigor onde seu gordo saquitel fora<br />

repuxado para cima e para trás, formando um escudo acolchoado a cobrir sua<br />

animalidade virada para o alto.<br />

Ocasionalmente, o marido também pode achar a esposa um tanto<br />

cansativa, especialmente se ela é um simulacro autoconstruído da<br />

perfeita dona de casa americana (toda pose e praticidade), e mais<br />

especialmente ainda quando planeja drogar e estuprar sua filha de doze<br />

anos. Humbert se casa com sua primeira mulher, Valeria (“uma peruca<br />

pubiana com vida própria”, a “camponesa de pernas curtas, seios<br />

grandes e cérebro praticamente nenhum”), por uma “deplorável<br />

acomodação”; o que o atraía era “a imitação que ela fazia de uma<br />

garotinha”. Casa-se com Charlotte pelo cálculo mais frio; e o que ocorre<br />

em seguida, nas implacavelmente talentosas primeiras páginas do livro,<br />

é uma paródia maldosa do júbilo marital: Charlotte embeleza o ninho de<br />

amor e folheia obsessivamente Seu Lar É Você enquanto Humbert, com<br />

sua bela estampa, é todo reprovação e reprimenda, com uma “fossa de<br />

monstros putrescentes por trás do (...) sorriso vagaroso e jovial”. Com<br />

seus sentimentos de absoluto descompromisso (“Minha solene<br />

exasperação era para ela o silêncio do amor”), Humbert está livre para<br />

celebrar “a pele rosada e áspera do pescoço” de Charlotte, ou a maneira<br />

como as asas do seu nariz brilhavam, “tendo derramado ou consumido<br />

sua ração de pó de arroz”, ou os “devaneios de mau gosto” em que ela<br />

prevê que a alma do bebê que perdeu (mais uma criança morta) poderia<br />

“voltar à terra na forma da criança que ela havia de gestar em seu<br />

presente matrimônio”. Com Valeria, Humbert conseguia desincumbir-se<br />

sexualmente fazendo-a vestir uma camisola simples de criança (“Derivei<br />

algum prazer daquela noite de núpcias, e levei a idiota à histeria antes<br />

de o sol nascer”). Com Charlotte ele recorre à bebida, “dois ou três tipos<br />

de vitaminas” e aos “alimentos mais substanciais que encontrei”,<br />

conseguindo ainda submetê-la no quarto de Lolita, onde experimentou

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