14.05.2015 Views

o_19l9sf1klot912ii1tl61iufs6da.pdf

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

a mão leve e disse a Dolly, que transmitiu a informação para Dick num<br />

grito específico, que só estava de passagem a caminho de Readsburg,<br />

onde amigos e admiradores prepararam-me uma recepção. Nesse<br />

momento, ficou claro que um dos poucos polegares que restavam a Bill<br />

(nem tão prodigioso assim, no fim das contas) estava sangrando. Como<br />

era matronal e de certa forma inédita a sombreada divisa entre seus<br />

seios pálidos quando ela se debruçou sobre a mão daquele homem! E<br />

conduziu-o para reparos na cozinha. Por alguns minutos, três ou quatro<br />

breves eternidades decididamente transbordantes de uma calidez<br />

forjada, Dick e eu ficamos a sós. Ele, sentado numa cadeira dura,<br />

esfregando seus braços e franzindo os olhos. Tive um impulso caprichoso<br />

de extrair os cravos das asas de seu nariz suado com minhas compridas<br />

garras de ágata. Era dono de belos olhos tristes com lindos cílios, e<br />

dentes muito brancos. Seu pomo-de-adão era imenso e peludo. Por que<br />

não se barbeiam melhor, esses jovens musculosos? Ele e a sua Dolly<br />

haviam-se amado desenfreadamente naquele sofá ali, pelo menos umas<br />

cento e oitenta vezes, talvez bem mais; e antes disso — fazia quanto<br />

tempo que se conheciam? Sem qualquer ressentimento. Engraçado —<br />

sem nenhum ressentimento, nada além de náusea e da dor da perda.<br />

Agora ele esfregava o nariz. E tive a certeza de que, quando finalmente<br />

abrisse a boca, diria (sacudindo de leve a cabeça): “Ah, ela é uma garota<br />

e tanto, sr. Haze. Sem a menor dúvida. E vai dar uma excelente mãe.”<br />

Dick abriu a boca — e tomou um gole de cerveja. O que lhe deu a<br />

compostura necessária — e continuou tomando seus goles até começar a<br />

espumar pela boca. Era um amorzinho. E tomara em suas mãos os seios<br />

florentinos dela. Tinha as unhas dos dedos pretas e quebradas, mas as<br />

falanges, todo o carpo, o punho forte e bem formado eram muito, muito<br />

superiores aos meus: já machuquei demais um excesso de corpos com<br />

minhas pobres mãos retorcidas para orgulhar-me delas. Epítetos<br />

franceses, nós dos dedos de um camponês de Dorset, as pontas dos<br />

dedos chatas como um alfaiate austríaco — eis Humbert Humbert.<br />

Bom. Se ele ficava calado eu também sabia ficar calado. Na verdade,<br />

bem que eu precisava de um pouco de descanso naquela cadeira de<br />

balanço submissa e morta de medo, antes de seguir para onde fosse o<br />

covil daquele monstro — e então arregaçar o prepúcio da pistola e<br />

entregar-me ao orgasmo do gatilho esmagado: sempre fui um fiel<br />

modesto seguidor do bom curandeiro vienense. Mas agora estava com<br />

pena do pobre Dick, que, por algum efeito hipnotoide, impedi<br />

brutalmente de pronunciar a única frase que ele conseguira construir<br />

(“Ela é uma garota e tanto...”).<br />

“E então”, disse eu, “vocês vão para o Canadá?”.<br />

Na cozinha, Dolly ria de alguma coisa que Bill dissera ou fizera.<br />

“E então”, gritei, “vocês vão para o Canadá? Não o Canadá” —

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!