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dentro do quarto e tornei a adormecer, e até hoje não sei ao certo se<br />

essa visita não terá sido um delírio provocado por alguma droga: estudei<br />

a fundo o senso de humor de Trapp, e esta pode ter sido uma amostra<br />

plausível. Ah, grosseiro e absolutamente impiedoso! Alguém, imaginei,<br />

devia estar ganhando dinheiro com essas máscaras de monstros e<br />

idiotas populares. Terei visto na manhã seguinte dois moleques<br />

revirando a lata de lixo e experimentando a máscara do detetive? Não sei<br />

ao certo. Pode ter sido tudo uma simples coincidência — atribuível,<br />

acredito, às condições atmosféricas.<br />

Sendo um assassino dotado de uma memória sensacional mas<br />

incompleta e heterodoxa, não sei dizer-lhes ao certo, senhoras e<br />

senhores, o dia exato em que concluí com certeza absoluta que o<br />

conversível vermelho nos seguia. Lembro-me, ainda assim, da primeira<br />

vez que distingui seu motorista com clareza. Avançava devagar certa<br />

tarde, atravessando torrentes de chuva, tendo sempre aquele fantasma<br />

vermelho a nadar e estremecer com gosto em meu retrovisor, quando de<br />

repente o dilúvio reduziu-se a um chuvisco, e logo cessou de todo. Com<br />

um som sibilante, a claridade do sol espalhou-se na estrada e,<br />

precisando de um novo par de óculos escuros, parei num posto de<br />

gasolina. O que estava acontecendo era uma doença, um câncer, uma<br />

coisa incontrolável, de maneira que escolhi simplesmente ignorar que<br />

nosso perseguidor silencioso, em seu estado convertido, parara um<br />

pouco atrás de nós, num café ou bar assinalado por um letreiro idiota.<br />

Tendo cuidado das necessidades do meu carro, entrei no escritório do<br />

posto para comprar meus óculos, fiquei na dúvida quanto a meu exato<br />

paradeiro, olhei por acaso através de uma janela lateral e vi uma coisa<br />

terrível. Um sujeito de costas largas, calvície em processo, com um<br />

paletó areia e calças de um marrom-escuro, escutava as palavras de Lo,<br />

que se debruçava para fora do carro e falava com ele muito depressa,<br />

sua mão com os dedos estendidos gesticulando para baixo e para cima<br />

como sempre fazia quando discorria com ênfase e seriedade. O que me<br />

chocou com uma intensidade que me deixou nauseado foi — como<br />

dizer? — a familiaridade volúvel dos seus modos, como se ela e ele se<br />

conhecessem — oh, de muitas e muitas semanas. Eu o vi coçar o rosto e<br />

assentir com a cabeça, virar-se e voltar para o seu conversível, um<br />

homem largo e socado mais ou menos da minha idade que de algum<br />

modo lembrava Gustave Trapp, um primo do meu pai na Suíça — o<br />

mesmo rosto levemente bronzeado, mais largo que o meu, com um<br />

bigodinho escuro e a boca em botão do degenerado. Lolita estudava um<br />

guia rodoviário quando entrei de volta no carro.

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