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pé desabou no chão com uma pancada seca.<br />

“Ei”, exclamou ela, “vá devagar”.<br />

“Primeiro você sobe”, gritei por minha vez — e ao mesmo tempo a<br />

agarrei e a forcei a levantar-se. A partir desse momento perdi o controle<br />

sobre a minha voz, e continuamos berrando um com o outro, dizendonos<br />

coisas que não podem sair impressas. Ela disse que me detestava.<br />

Fez caretas monstruosas para mim, inflando as bochechas e produzindo<br />

o som diabólico de alguma coisa caindo na água. Disse que eu tentara<br />

violá-la várias vezes quando ainda era pensionista na casa da sua mãe.<br />

Disse que tinha certeza de que eu assassinara a mãe dela. Disse que<br />

estava disposta a dormir com o primeiro sujeito que lhe pedisse, e que<br />

não havia nada que eu pudesse fazer para evitar. Eu disse que ela ia<br />

subir para o quarto e me mostrar todos os esconderijos que tinha<br />

inventado. Foi uma cena estridente e repleta de ódio. Eu a segurei pelo<br />

pulso protuberante e ela não parava de se virar e contorcer para todos os<br />

lados, tentando sub-repticiamente encontrar um ponto fraco a fim de<br />

desprender-se num momento propício, mas eu a subjugava com<br />

bastante força e na verdade lhe causava bastante dor, o que espero<br />

venha a causar o apodrecimento do meu coração, e uma ou duas vezes<br />

ela puxou o braço com tamanha violência que temi que seu punho<br />

pudesse partir-se, e o tempo todo ela me fitava com aqueles olhos<br />

inesquecíveis onde a cólera gelada batalhava as lágrimas ardentes,<br />

nossas vozes afogavam o toque do telefone, e quando percebi sua<br />

campainha ela escapou na mesma hora.<br />

Com as pessoas que trabalham em cinema eu pareço compartilhar o<br />

recurso à machina telephonica e seu deus inesperado. Dessa vez era<br />

uma vizinha indignada. A janela do lado leste por acaso estava<br />

escancarada na sala, com a persiana, porém, piedosamente baixada; e<br />

para além dela, a noite negra e úmida de uma ácida primavera da Nova<br />

Inglaterra nos ouvia. Sempre achei que esse tipo de solteirona cheirando<br />

a peixe com a mente tomada por obscenidades era um produto dos<br />

consideráveis cruzamentos consanguíneos existentes na ficção moderna;<br />

mas dessa vez me convenci de que a pudica e puritana srta. Leste — ou,<br />

para extinguir seu anonimato, a srta. Fenton Lebone — devia ter<br />

projetado três quartos do corpo para fora da janela do seu quarto, num<br />

esforço para captar o conteúdo da nossa discussão.<br />

“...Esta barulheira... vai além de toda...”, grasnava o telefone, “isto<br />

aqui não é um cortiço. Quero deixar bem claro...”.<br />

Pedi desculpas pelo fato de os amigos da minha filha fazerem tanto<br />

barulho. Os jovens, a senhora sabe — e desliguei um grasnido e meio<br />

adiante.<br />

No andar de baixo, a porta de tela bateu. Lo? Fugida?<br />

Através da janelinha da escada vi um pequeno fantasma impetuoso

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