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todas as necessidades do corpo da minha pequena morena ebúrnea.<br />

Minha única queixa da natureza era não poder virar minha Lolita do<br />

avesso para aplicar lábios vorazes ao seu jovem útero, a seu coração<br />

incógnito, a seu fígado nacarado, às algas flutuantes dos seus pulmões, a<br />

seus rins lindamente gêmeos. Nas tardes especialmente tropicais, na<br />

intimidade pegajosa da sesta, eu gostava da sensação fresca do couro da<br />

poltrona contra minha volumosa nudez enquanto eu a equilibrava em<br />

meu colo. E lá ela se deixaria ficar, uma típica criança que enfia o dedo<br />

no nariz concentrada nas seções mais ligeiras do jornal, tão indiferente a<br />

meu êxtase como se fosse alguma coisa em que se tivesse sentado por<br />

acidente — um sapato, uma boneca, o punho de uma raquete de tênis —<br />

e a preguiça a impedisse de remover. Seus olhos acompanhavam as<br />

aventuras de seus personagens favoritos dos quadrinhos: uma delas era<br />

uma adolescente bem desenhada embora descuidada, com as maçãs do<br />

rosto acentuadas e gestos angulares, que eu próprio às vezes também<br />

acompanhava; ela estudava os registros fotográficos de colisões frontais;<br />

nunca punha em dúvida a suposta autenticidade do lugar, da hora e das<br />

circunstâncias dos flagrantes publicitários de beldades de coxas à<br />

mostra; e ficava curiosamente fascinada pelas fotografias das noivas<br />

locais, às vezes plenamente paramentadas, segurando seus buquês de<br />

óculos.<br />

Moscas podiam pousar e caminhar nas proximidades do seu umbigo<br />

ou explorar suas aréolas claras e macias. Ela tentava capturá-las com a<br />

mão (o método de Charlotte) e depois voltava à coluna Explorando a<br />

nossa Mente.<br />

“Explorando a nossa mente. Os crimes sexuais diminuiriam caso as<br />

crianças respeitassem algumas proibições básicas? Evitar brincar perto<br />

de banheiros públicos. Recusar doces ou caronas de estranhos. Caso<br />

aceitem, anotar sempre a placa do carro.”<br />

“...e a marca do doce”, sugeri.<br />

Ela continuou, o rosto (recuando) próximo do meu (avançando); e<br />

esse era um dos dias bons, atentai, ó leitor!<br />

“Se você não tiver um lápis, mas já souber ler —”<br />

“Nós”, completei de improviso, “marinheiros medievais, lançamos ao<br />

mar nesta garrafa —”.<br />

“Se”, repetiu ela, “você não tiver um lápis, mas já souber ler e<br />

escrever — é isso que o sujeito escreveu, seu cretino —, risque o número<br />

como puder em algum ponto da beira da estrada”.<br />

“Com suas pequenas garras, Lolita.”<br />

3<br />

Ela entrara no meu mundo, a sombria e brumosa Humberlândia, com<br />

uma curiosidade crua; passava suas paisagens em revista encolhendo os<br />

ombros de bem-humorado desgosto; e a essa altura parecia-me prestes

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