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do prisma dos meus sentidos, “eram tão diferentes quanto a nave e a<br />
névoa”. Tudo isso racionalizo agora. Quando tinha vinte ou trinta e<br />
poucos anos, não entendia meus tormentos com a mesma clareza.<br />
Enquanto meu corpo sabia o que desejava, minha mente rejeitava cada<br />
apelo do corpo. Num momento eu estava acabrunhado pela vergonha e o<br />
medo, no seguinte era tomado por um intrépido otimismo. Os tabus me<br />
estrangulavam. Psicanalistas me acenavam com a pseudoliberação da<br />
pseudolibido. O fato de que para mim os únicos objetos de trepidação<br />
amorosa fossem as irmãs de Annabel, suas pequenas aias ou damas de<br />
companhia parecia-me às vezes um prenúncio da insanidade. Noutros<br />
momentos, eu me dizia que tudo era uma questão de atitude, que na<br />
verdade não havia nada de errado em ser afetado à loucura por<br />
garotinhas. Devo lembrar ao leitor que na Inglaterra, com a aprovação da<br />
Lei da Criança e do Jovem em 1933, o termo “menina” é definido como<br />
“criança acima de oito mas com menos de catorze anos” (depois disso,<br />
dos catorze aos dezessete, a definição formal é “jovem”). Em<br />
Massachusetts, nos Estados Unidos, por outro lado, uma “criança<br />
desencaminhada” é, tecnicamente, aquela que tem “entre sete e<br />
dezessete anos de idade” (e que, além disso, costuma privar com<br />
pessoas viciosas ou imorais). Hugh Broughton, polêmico escritor da<br />
época em que reinava Jaime I, provou que Raab já era uma prostituta aos<br />
dez anos de idade. Tudo muito interessante, e imagino que vocês já me<br />
vejam com a boca espumando, entregue a um acesso; mas não, não<br />
estou; limito-me a enumerar pensamentos felizes que recolho tilintantes<br />
numa taça. E eis mais algumas imagens. Eis Virgílio, que podia a ninfeta<br />
louvar em seu canto mas preferia possivelmente um períneo de menino.<br />
Eis duas das filhas pré-núbeis do Nilo, geradas pelo Rei Akhenaton e a<br />
Rainha Nefertiti (casal real que teve uma ninhada de seis), vestindo<br />
apenas vários colares de contas reluzentes, reclinadas em almofadas,<br />
intactas ao final de três mil anos, com seus corpos imaturos macios e<br />
castanhos, seus cabelos aparados e seus oblongos olhos de ébano. Eis<br />
aqui algumas noivas de dez anos compelidas a sentar-se no fascinum, o<br />
marfim viril dos templos da erudição clássica. O casamento e a<br />
coabitação anteriores à puberdade continuam a não ser incomuns em<br />
certas províncias das Índias Orientais. Velhos de oitenta anos do povo<br />
lepcha copulam com meninas de oito, e ninguém se importa. Afinal,<br />
Dante apaixonou-se loucamente por sua Beatriz quando ela tinha nove<br />
anos, uma menininha exuberante, pintada, adorável e coberta de joias,<br />
num vestido carmesim, e isso ocorreu em 1274, em Florença, num<br />
festim particular no ditoso mês de maio. E quando Petrarca se apaixonou<br />
loucamente por sua pequena Laura, ela era uma ninfeta loura de doze<br />
anos que corria contra o vento, no pólen e na poeira, uma flor em fuga,<br />
na linda planície que se divisa das colinas de Vaucluse.