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sobrancelha erguida e o nome grafado com erro (“Hazer”). Apesar desse<br />

contratempo, a publicidade aqueceu o fundo de porcelana do seu<br />

coração — e deixou-me agitando meu chocalho com uma triste<br />

satisfação. Envolvendo-se nas obras da igreja, além de entrar em contato<br />

com as melhores mães das colegas de Lo, Charlotte no decorrer de mais<br />

ou menos vinte meses conseguira converter-se numa habitante, se não<br />

proeminente, pelo menos aceitável da cidade, mas nunca antes ela se<br />

vira sob aquela emocionante rubrique, e ali só chegou graças a mim, o<br />

sr. Edgar H. Humbert (acrescentei o “Edgar” nem sei por quê), “escritor e<br />

explorador”. O irmão de McCoo, enquanto anotava minhas palavras,<br />

perguntou-me o que eu tinha escrito. E a resposta que dei soou-lhe como<br />

“vários livros sobre Peacock, Rainbow e outros poetas”. O texto também<br />

assinalava que Charlotte e eu nos conhecíamos havia vários anos, e que<br />

eu era um parente distante de seu falecido marido. Sugeri que tivera um<br />

caso com ela treze anos antes, mas isto não saiu no texto. Para Charlotte,<br />

eu disse que toda coluna social precisava apresentar o bruxuleio de<br />

alguns erros.<br />

Prossigamos com esta curiosa narrativa. Quando convocado a<br />

desfrutar de minha promoção de hóspede a amante, senti eu apenas<br />

amargura e dissabor? Não, o sr. Humbert admite uma certa corte à sua<br />

vaidade, uma tênue ternura, e até uma sugestão de remorso a toldar de<br />

leve a têmpera de sua adaga de conspirador. Nunca me ocorrera que a<br />

certamente ridícula embora medianamente formosa sra. Haze, com sua<br />

fé cega nos critérios de sua igreja e seu clube do livro, seus maneirismos<br />

de elocução, sua atitude ríspida, fria e desdenhosa em relação a uma<br />

adorável menina de doze anos com os braços cobertos de penugem,<br />

jamais poderia transformar-se numa criatura tão tocante e desamparada<br />

no momento em que lhe pus minhas mãos, o que ocorreu no umbral do<br />

quarto de Lolita, para onde ela recuara trêmula repetindo “não, não, por<br />

favor, não”.<br />

A transformação melhorou sua aparência. Seu sorriso que sempre<br />

havia sido uma coisa tão forjada converteu-se a partir de então no brilho<br />

radioso da adoração absoluta — um brilho com uma certa qualidade<br />

mole e úmida e no qual, com espanto, reconheci alguma semelhança<br />

com a expressão adorável, perdida e vazia que Lo exibia quando se<br />

entusiasmava com algum novo tipo de preparado servido na lanchonete<br />

ou quando admirava em silêncio minhas roupas caras, sempre<br />

parecendo recém-chegadas do alfaiate. Profundamente fascinado, eu<br />

observava Charlotte sempre que ela comparava os tormentos da<br />

maternidade com alguma outra senhora e produzia aquela expressão<br />

nacional da resignação feminina (olhos virados para cima, boca<br />

entortada para baixo) que, em sua forma infantil, eu vira a própria Lo<br />

fazer. Tomávamos highballs antes de nos deitarmos e, com a ajuda

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