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que o sol banhava as adoradas pernas dela? Percebi de imediato que,<br />
postada no gramado que eu já aparara, uma ninfeta bronzeada de<br />
cabelos castanhos com nove ou dez anos de idade e vestindo short<br />
branco contemplava-me com um fascínio sem disfarce em seus grandes<br />
olhos de um negro azulado. Eu lhe disse alguma coisa simpática, sem<br />
qualquer má intenção, algum comentário elogioso comum no Velho<br />
Mundo, que lindos olhos os seus, mas ela recuou às pressas, a música<br />
parou abruptamente e um sujeito moreno de aparência violenta, lustroso<br />
de suor, assomou à porta e fitou-me com olhos em fúria. Já estava a<br />
ponto de me identificar quando, com uma pontada do tipo de vergonha<br />
que sentimos nos sonhos, me lembrei das minhas calças de brim<br />
cobertas de lama, do meu suéter imundo e rasgado, do meu queixo por<br />
barbear, dos meus olhos injetados de vagabundo. Sem dizer palavra, fiz<br />
meia-volta e retornei a penosos passos na direção de onde viera. Uma<br />
flor anêmica que lembrava um áster crescia numa fenda na calçada de<br />
que me lembrava bem. Silenciosamente ressurrecta, a Srta. Defronte<br />
surgiu empurrada em sua cadeira pelas sobrinhas até a varanda, como<br />
se tudo fosse um palco e eu o astro do espetáculo. Rezando para que não<br />
se dirigisse a mim, apressei-me em voltar para o meu carro. Que<br />
ruazinha íngreme. Que avenida profunda. Uma multa vermelha se exibia<br />
entre o limpador e o para-brisa; rasguei-a com o máximo cuidado em<br />
dois, quatro, oito pedacinhos.<br />
Sentindo que perdia meu tempo, assumi o volante com energia e<br />
dirigi-me para o hotel do centro aonde eu chegara com a mala novinha<br />
mais de cinco anos antes. Pedi um quarto, marquei dois encontros por<br />
telefone, barbeei-me, banhei-me, vesti roupas pretas e desci até o bar<br />
para uma bebida. Nada mudara. O bar ainda ostentava a mesma luz<br />
tênue e num tom impossível de rubi que na Europa de outrora sempre<br />
assinalava redutos duvidosos, mas aqui significava um lugar com muita<br />
personalidade num hotel estritamente familiar. Sentei-me à mesma<br />
mesa onde nos primeiros dias da minha estada, imediatamente depois<br />
de ter-me tornado pensionista de Charlotte, julgara adequado festejar a<br />
ocasião compartilhando com ela meia garrafa de elegante champanhe, o<br />
que conquistara inevitavelmente seu pobre e borbulhante coração. Como<br />
naquele momento, um garçom de cara de lua arrumava agora com<br />
minúcia estelar cinquenta taças de xerez numa bandeja redonda para<br />
uma festa de casamento. Dessa vez, unindo Murphy e Fantasia. Faltavam<br />
oito para as três. Enquanto atravessava o saguão, precisei contornar um<br />
grupo de mulheres que com mille grâces despediam-se umas das outras<br />
depois de um almoço. Com uma áspera exclamação de reconhecimento,<br />
uma delas arremeteu contra mim. Era uma senhora baixa e socada<br />
vestindo cinza-pérola, com uma pluma comprida, cinzenta e fina fincada<br />
em seu chapeuzinho. Era a sra. Chatfield. E atacou-me com um sorriso