14.05.2015 Views

o_19l9sf1klot912ii1tl61iufs6da.pdf

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

vinho quente temperado, duas aspirinas e debelar a febre a beijos<br />

quando, ao examinar sua adorável úvula, uma das joias do seu corpo,<br />

constatei que exibia um rubro ardente. Eu a despi. Seu hálito mostravase<br />

agridoce. Sua rosa acastanhada sabia a sangue. Ela tremia da cabeça<br />

aos pés. Queixou-se de um rigor doloroso nas vértebras superiores — e<br />

pensei em poliomielite, como ocorreria a qualquer bom pai americano.<br />

Abandonando toda esperança de intercurso, enrolei-a num cobertor e<br />

levei-a nos braços até o carro. Entrementes, a bondosa sra. Hays alertara<br />

o médico local. “Sorte sua, isto acontecer aqui”, disse ela; pois não só<br />

Blue era o melhor médico do distrito como o hospital de Elphinstone era<br />

dos mais modernos, não obstante a capacidade limitada. Com um<br />

Erlkönig heterossexual em meu encalço, para lá me dirigi, semiofuscado<br />

por um suntuoso crepúsculo do lado das terras baixas e guiado por uma<br />

velhinha miúda, uma bruxa portátil, talvez sua filha, que a sra. Hays me<br />

emprestara e que eu nunca mais tornaria a ver. O dr. Blue, cuja<br />

sapiência, sem a menor dúvida, era infinitamente inferior à respectiva<br />

reputação, garantiu-me que ela era vítima de uma infecção por vírus, e<br />

quando aludi à gripe relativamente recente que tivera, respondeu<br />

secamente que se tratava de outro micróbio e que estava às voltas com<br />

quarenta casos iguais àquele, todos os quais lembravam as “febres” dos<br />

antigos. Perguntei-me se deveria mencionar, com uma risadinha casual,<br />

que minha filha de quinze anos tivera um ligeiro acidente ao tentar pular<br />

uma cerca com o namorado, mas consciente de que estava embriagado<br />

decidi só aludir a este fato mais tarde, em caso de necessidade. A uma<br />

secretária loura mal-humorada e desprovida de sorrisos, disse que minha<br />

filha tinha “praticamente dezesseis anos”. E enquanto eu olhava para o<br />

outro lado, minha filha foi removida da minha companhia! Em vão insisti<br />

para que me permitissem passar a noite num capacho com os dizeres<br />

“bem-vindo”, num canto qualquer daquele maldito hospital. Subi às<br />

carreiras escadarias construtivistas, tentei rastrear minha querida para<br />

dizer-lhe que não devia dar com a língua nos dentes, especialmente<br />

quando se sentia tão aérea como àquela altura estávamos todos nós.<br />

Num dado momento, fui sem dúvida terrivelmente grosseiro com uma<br />

enfermeira muito jovem e muito atrevida, dotada de glúteos<br />

superdesenvolvidos e olhos negros faiscantes — era de origem basca,<br />

como mais tarde fiquei sabendo. Seu pai era um criador de ovelhas<br />

importado para treinar cães pastores. Finalmente, voltei para o carro e<br />

nele permaneci nem sei quantas horas, encolhido no escuro,<br />

aparvalhado por minha inédita solidão, olhando de boca aberta ora para<br />

o prédio tenuemente iluminado, muito quadrado e baixo do hospital,<br />

acocorado no centro de seu quarteirão coberto de grama, ora para cima,<br />

a fim de contemplar a noite muito estrelada e os contrafortes prateados<br />

e pontiagudos da haute montagne onde naquele momento o pai de

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!