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“O que aquele homem estava perguntando, Lo?”<br />
“Homem? Ah, aquele homem. Entendi. Não sei bem. Queria saber se<br />
eu tinha um mapa. Acho que se perdeu.”<br />
Seguimos em frente, e eu disse:<br />
“Escute aqui, Lo. Não sei se você está mentindo ou não, e não sei se<br />
está louca ou não, e no momento estou pouco ligando; mas essa pessoa<br />
passou o dia inteiro nos seguindo, o carro dele estava ontem no motel, e<br />
acho que ele é da polícia. Você sabe muito bem o que irá acontecer e<br />
onde você irá parar se a polícia descobrir como as coisas são. Agora eu<br />
quero saber exatamente o que ele disse a você, e o que você respondeu<br />
a ele.”<br />
Ela riu.<br />
“Se ele for mesmo da polícia”, disse ela, num tom agudo mas não<br />
sem lógica, “o pior que poderíamos fazer seria dar sinais de que estamos<br />
com medo. Ignore o homem, papai”.<br />
“Ele perguntou aonde estamos indo?”<br />
“Ah, isso ele sabe” (zombando de mim).<br />
“De qualquer maneira”, disse eu, desistindo, “agora eu conheço o<br />
rosto dele. E não é nada bonito. É a cara de um parente meu chamado<br />
Trapp”.<br />
“Talvez ele seja o Trapp. Se eu fosse você — Oh, olhe só, os noves<br />
estão todos virando para o milhar seguinte. Quando eu era pequena”,<br />
continuou ela inesperadamente, “achava que os números parariam e<br />
voltariam para os noves, se a minha mãe andasse de marcha a ré”.<br />
Foi a primeira vez, acho eu, que ela falou espontaneamente da sua<br />
infância pré-Humbertiana; talvez ela tivesse aprendido esse truque no<br />
teatro; e seguimos viagem em silêncio, sem ninguém a nos perseguir.<br />
Mas no dia seguinte, como a dor numa doença fatal que volta a<br />
atacar depois que o remédio e a esperança param de fazer efeito, lá<br />
estava ele novamente atrás de nós, aquele cintilante monstro vermelho.<br />
Nesse dia o tráfego na estrada estava leve; ninguém ultrapassava<br />
ninguém, e ninguém tentou intrometer-se entre nosso horrível carro azul<br />
e sua imperiosa sombra vermelha — como se houvesse um malefício<br />
lançado sobre esse espaço intermediário, uma zona de zombaria e<br />
mágica cruel, uma zona com uma precisão e uma estabilidade dotadas<br />
de uma virtude cristalizada, quase artística. O motorista que me seguia,<br />
com seus ombros maciços e seu bigode trapista, parecia um manequim<br />
de vitrine, e seu conversível parecia deslocar-se apenas graças a um<br />
cabo invisível de seda silenciosa que o conectava ao nosso surrado<br />
automóvel. Éramos muitas vezes mais fracos que aquela esplêndida<br />
máquina laqueada, de maneira que nem mesmo tentei ganhar distância<br />
ou superá-lo em velocidade. O lente currite noctis equi! Ó, correi<br />
devagar, pesadelos da noite! Subíamos longos aclives e tornávamos a