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interestadual. O vestido de algodão, riscado de preto e branco, do Meu<br />
Amor, seu alegre boné azul, suas meias soquete brancas e seus<br />
mocassins marrons não combinavam muito com a imensa e lindamente<br />
lapidada água-marinha pendente de uma corrente de prata que<br />
adornava seu pescoço: um presentinho meu de primavera. Passamos<br />
pelo New Hotel, e ela riu. “Uma moeda pelo que está pensando”, eu<br />
disse, e na mesma hora ela estendeu a mão, mas nesse exato momento<br />
precisei pisar bruscamente no freio num sinal vermelho. Quando<br />
paramos, outro carro veio freando ao lado do nosso, e uma jovem de<br />
grande beleza, esguia e atlética (onde eu já a tinha visto?), com o rosto<br />
muito corado e cabelos lustrosos cor de bronze até a altura dos ombros,<br />
cumprimentou Lo com um “Oi!” musical — e então, dirigindo-se a mim,<br />
efusivamente, edusivamente (encaixei!), enfatizando algumas das<br />
palavras, disse: “Que absurdo foi arrancar Dolly da peça desse jeito — o<br />
senhor devia ter ouvido os elogios feitos a ela por quem escreveu a peça<br />
depois daquele ensaio —” “O sinal ficou verde, bestalhão”, disse Lo num<br />
sussurro, e ao mesmo tempo, acenando num adeus animado o braço<br />
coberto de pulseiras, Joana d’Arc (numa encenação a que assistimos no<br />
teatro local) distanciou-se violentamente de nós para enveredar pela<br />
Campus Avenue.<br />
“E quem foi exatamente? Vermont ou Rumpelmeyer?”<br />
“Não — aquela era Edusa Gold, a nossa treinadora.”<br />
“Não estava falando dela. Quem foi mesmo que escreveu a tal peça?”<br />
“Ah! Claro. Uma senhora de idade, Clare de Tal, ou coisa parecida.<br />
Tinha muita gente nesse ensaio.”<br />
“E ela veio lhe fazer um elogio?”<br />
“Elogio coisa nenhuma — ela pousou um beijo em minha testa pura”<br />
— e minha querida emitiu o novo ladrido curto de alegria que — talvez<br />
por algum motivo ligado a seus maneirismos teatrais — começara a<br />
afetar em tempos recentes.<br />
“Você é uma estranha criatura, Lolita”, disse eu — ou coisa parecida.<br />
“Naturalmente, fico muito feliz por você ter desistido de toda essa<br />
história absurda de teatro. Mas o curioso é que você resolveu largar tudo<br />
apenas uma semana antes do seu clímax natural. Ah, Lolita, você devia<br />
tomar cuidado com essas suas desistências. Eu me lembro que você<br />
desistiu de Ramsdale pela colônia de férias, da colônia por uma viagem,<br />
e dava para fazer uma lista com as outras mudanças abruptas das suas<br />
decisões. Você precisa ser mais cuidadosa. Há coisas de que nunca<br />
deveria desistir. Você precisa perseverar. Você devia tentar me tratar um<br />
pouco melhor, Lolita. E também devia cuidar da sua dieta. O perímetro<br />
da sua coxa, sabe, não deveria ultrapassar 45 centímetros. Mais do que<br />
isso pode ser fatal (eu estava brincando, claro). Agora estamos partindo<br />
para uma longa viagem feliz. E eu me lembro —”