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natureza cordata, administrando-lhe algum veneno clássico de um anel<br />
oco de ágata, algum fino filtro letal. Mas em nossa era da classe média<br />
enxerida isso não teria o resultado de outrora, em meio aos brocados de<br />
pretéritos palácios. Hoje, para ser assassino, você precisa ser cientista. E<br />
eu não era nenhum dos dois. Senhoras e senhores do júri, a maioria dos<br />
criminosos sexuais que anseiam por alguma relação latejante, envolta<br />
em doces gemidos, física mas não necessariamente coital, com uma<br />
menina, é de homens estranhos e inócuos, inadequados, passivos e<br />
acanhados, que só esperam da comunidade que lhes permita prosseguir<br />
com seu comportamento tido como aberrante mas praticamente<br />
inofensivo, seus pequenos, quentes e úmidos atos secretos de desvio<br />
sexual, sem que a polícia e a sociedade caiam sobre eles. Não somos<br />
monstros sexuais! Não estupramos, como tantos soldados estupram.<br />
Somos cavalheiros infelizes e contidos, de olhos caninos,<br />
suficientemente bem integrados para controlar nossos impulsos na<br />
presença de adultos, mas prontos a trocar anos das nossas vidas por uma<br />
única oportunidade de acariciar uma ninfeta. Enfaticamente, não somos<br />
assassinos. Poetas nunca matam. Oh, minha pobre Charlotte, não me<br />
odeie em seu céu eterno, envolta numa alquimia eterna de asfalto e<br />
borracha, metal e pedra — mas, graças a Deus, não água, não água!<br />
Ainda assim, estivemos muito perto, objetivamente falando. E agora<br />
vem a conclusão da minha parábola do crime perfeito.<br />
Sentamo-nos em nossas toalhas ao sol sequioso. Ela olhou em volta,<br />
desafivelou o sutiã e deitou-se de bruços para dar às suas costas a<br />
oportunidade de provocar o deleite alheio. Disse que me amava. Deu um<br />
profundo suspiro. Esticou um dos braços e enfiou a mão no bolso do<br />
roupão à procura de seus cigarros. Sentou-se para fumar. Examinou o<br />
ombro direito. Deu-me um beijo pesado com a boca aberta e defumada.<br />
Subitamente, pelo barranco de areia que atrás de nós descia da área<br />
coberta de plantas e pinheiros, uma pedra rolou, e mais outra.<br />
“Esses garotos nojentos que se escondem para olhar”, disse<br />
Charlotte, levantando o avantajado sutiã contra o peito e tornando a<br />
deitar-se de barriga para baixo. “Vou ter de conversar sobre isso com<br />
Peter Krestovski.”<br />
Do trecho final da trilha ouviu-se um farfalhar, um passo, e Jean<br />
Farlow chegou à praia com seu cavalete e suas coisas.<br />
“Você nos assustou”, disse Charlotte.<br />
Jean disse que estava ali em cima, refugiada num esconderijo verde,<br />
para espionar a natureza (espiões geralmente são fuzilados), tentando<br />
terminar uma paisagem do lago, mas não adiantava, não tinha o menor<br />
talento mesmo (o que não deixava de ser verdade) — “E você, Humbert,<br />
nunca tentou pintar?” Charlotte, que tinha um certo ciúme de Jean, quis<br />
saber se John também estava vindo.