You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
chamar para ela a atenção da minha pequena feiticeira, tendo em vista o<br />
perigo de ser alvejado em resposta por uma acusação de<br />
sentimentalismo que me causaria ainda mais dor que o fato de ela não<br />
ter reparado na homonímia por conta própria. Supus que aquela pecinha<br />
não passasse de mais uma versão, praticamente anônima, de alguma<br />
lenda banal. Nada me impedia, claro, de supor que à procura de um<br />
nome atraente o fundador do hotel tivesse sido imediata e unicamente<br />
influenciado pela fantasia casual do muralista que contratara, e que<br />
subsequentemente o nome do hotel tivesse sugerido o título da peça.<br />
Mas em meu espírito crédulo, simples e benigno, por acaso me desviei<br />
na direção oposta e, sem dedicar a todo o caso muita reflexão, supus que<br />
o mural, o nome e o título fossem todos derivados de uma fonte comum,<br />
alguma tradição local que eu, estrangeiro pouco versado no folclore da<br />
Nova Inglaterra, certamente não haveria de conhecer. Em consequência,<br />
fiquei com a impressão (e tudo isso de maneira muito casual, entendam,<br />
muito fora da minha órbita de importância) de que a maldita pecinha<br />
pertencesse ao tipo de fantasia geralmente dedicado ao consumo de<br />
crianças e jovens depois de inúmeras adaptações e readaptações, como<br />
João e Maria, de Richard Roe, ou A bela adormecida, de Dorothy Doe, ou<br />
A roupa nova do imperador, de Maurice Vermont e Marion Rumpelmeyer<br />
— todas encontráveis em qualquer volume de Peças para grupos teatrais<br />
escolares ou Todos ao palco! Noutras palavras, eu não sabia — nem teria<br />
me importado, se soubesse — que na verdade Os caçadores encantados<br />
era uma composição muito recente e tecnicamente original, encenada<br />
pela primeira vez apenas três ou quatro meses antes por um grupo novaiorquino<br />
de grande ambição intelectual. A mim — até onde eu era capaz<br />
de avaliar pelo papel da minha encantadora feiticeira — o texto parecia<br />
uma obra de fantasia bastante diluída, com ecos de Lenormand,<br />
Maeterlinck e vários adocicados sonhadores britânicos. Os caçadores,<br />
todos com um traje uniforme e o mesmo gorro vermelho, dos quais um<br />
era banqueiro, outro bombeiro, o terceiro policial, o quarto agente<br />
funerário, o quinto corretor de seguros, o sexto um fugitivo da prisão<br />
(imaginem as possibilidades!), passavam por complexas mudanças de<br />
ideia nos Domínios de Dolly, e só se lembravam das suas vidas reais<br />
como se fossem sonhos ou pesadelos de que a pequena Diana os fizera<br />
despertar; mas o sétimo Caçador (este, o cretino, de gorro verde) era um<br />
Jovem Poeta, e insistia em afirmar, para grande contrariedade de Diana,<br />
que tanto ela como todo o entretenimento que a rodeava (ninfas<br />
dançantes, elfos e monstros) eram uma criação dele, do Poeta. E ao que<br />
eu saiba, finalmente, tomada pelo desgosto diante dessa inabalável<br />
confiança em si, a descalça Dolores decidia conduzir Mona com suas<br />
calças quadriculadas até a propriedade de seu pai, além da Floresta dos<br />
Perigos, para provar ao fanfarrão que não era invenção de poeta algum, e