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“Sequestrei coisa nenhuma!”, gritou ele. “O senhor está longe da<br />
verdade. Eu só fiz salvar a menina de um monstro pervertido. Mostre<br />
aqui o distintivo, em vez de ficar atirando no meu pé, seu gorila. Onde<br />
está o seu distintivo? Não sou responsável por estupros alheios. Que<br />
absurdo! Admito que aquela viagem foi um truque sujo, mas depois ela<br />
voltou para você, não foi? Vamos tomar alguma coisa.”<br />
Perguntei como ele preferia a execução, sentado ou de pé.<br />
“Ah, preciso pensar um pouco”, disse ele. “Não é uma pergunta fácil<br />
de responder. A propósito — eu errei. Do que me arrependo<br />
sinceramente. O fato é que não me divertia com Dolly. Sou praticamente<br />
impotente, para contar a triste verdade. E proporcionei a ela férias<br />
esplêndidas. Ela conheceu pessoas notáveis. O senhor sabe por acaso<br />
quem é —”<br />
E com um salto tremendo atirou-se em cima de mim, o que fez a<br />
pistola voar para baixo de uma cômoda. Felizmente ele tinha mais<br />
ímpeto do que força, e não me foi muito difícil empurrá-lo de volta para<br />
sua cadeira.<br />
Ele bufou e cruzou os braços sobre o peito.<br />
“Agora o senhor passou da conta”, disse ele. “ Vous voilà dans de<br />
beaux draps, mon vieux.”<br />
Seu francês estava cada vez melhor.<br />
Olhei em volta. Talvez, se — Talvez eu pudesse — De gatinhas? Me<br />
arriscar?<br />
“Alors, que fait-on?”, perguntou ele, observando-me atentamente.<br />
Debrucei-me. Ele não se mexeu. Inclinei-me mais para a frente.<br />
“Meu caro senhor”, disse ele, “deixe de leviandade com a vida e a<br />
morte. Sou um dramaturgo. Escrevi tragédias, comédias, fantasias. Fiz<br />
filmes amadores baseados em Justine e outras obras eróticas do século<br />
XVIII. Sou autor de cinquenta e dois roteiros de sucesso. Conheço todos<br />
os truques. Deixe-me cuidar deste caso. Deveria haver um atiçador de<br />
lareira em algum lugar, por que não vou pegar para alcançarmos o seu<br />
objeto?”.<br />
Atarefado, nervoso, ardiloso, tornara a levantar-se enquanto falava.<br />
Eu tateava debaixo da cômoda, tentando ao mesmo tempo não perdê-lo<br />
de vista. De repente, percebi que ele percebera que eu parecia não ter<br />
percebido o Amigo projetando-se debaixo do outro lado da cômoda.<br />
Caímos novamente em luta. Rolamos pelo chão, nos braços um do outro,<br />
como dois meninos desamparados e crescidos demais. Ele estava nu e<br />
caprino por baixo do roupão, e senti-me sufocar quando rolou para cima<br />
de mim. Rolei para cima dele. Rolamos para cima de mim. Rolaram para<br />
cima dele. Rolamos para cima de nós.<br />
Em sua forma publicada, este livro está sendo lido, imagino, nos<br />
primeiros anos da década de 2000 d.C. (1935 mais oitenta ou noventa,