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perdi o endereço dele — será que posso...?” E de tempos em tempos,<br />

especialmente quando o gerente do estabelecimento calhava de ser um<br />

certo tipo de homem sombrio, era-me negada a inspeção pessoal dos<br />

livros.<br />

Tenho aqui um memorando: entre 5 de julho e 18 de novembro,<br />

quando voltei a Beardsley por alguns dias, registrei-me, quando não<br />

passei de fato a noite, em 342 hotéis, motéis e pensões para turistas.<br />

Este número inclui alguns registros entre Chestnut e Beardsley, um dos<br />

quais trazia uma sombra do demônio (“N. Petit, Larousse, Ill.”); eu<br />

precisava calcular com cuidado o local e a hora das minhas pesquisas<br />

para não atrair uma atenção indevida; e deve ter havido uns cinquenta<br />

lugares onde me limitei a indagar na recepção — mas essa indagação<br />

era fútil, e eu preferia criar uma base de verossimilhança e boa vontade<br />

pagando antes por um quarto desnecessário. Meu levantamento mostrou<br />

que, dos cerca de 300 livros inspecionados, pelo menos 20 me<br />

forneceram alguma pista: o demônio ambulante tinha parado com mais<br />

frequência do que eu, ou então — coisa de que era perfeitamente capaz<br />

— criara registros adicionais só para me ocupar com indícios ridículos.<br />

Numa única ocasião ele de fato pernoitara no mesmo motel que nós, a<br />

poucos passos do pouso de Lolita. Em alguns casos ele se hospedara no<br />

mesmo quarteirão, ou no próximo; com bastante frequência, ficara à<br />

espreita num ponto intermediário entre dois locais pré-arranjados. Com<br />

quanta clareza eu me lembrava de Lolita, logo antes da nossa partida de<br />

Beardsley, estendida no tapete da sala, estudando mapas e guias, e<br />

marcando trechos a percorrer e pontos onde iríamos parar com batom!<br />

Descobri imediatamente que ele antevira a minha investigação e<br />

plantara pseudônimos ofensivos dirigidos especialmente a mim. Na<br />

primeira recepção de motel que visitei, a do Ponderosa Lodge, sua<br />

assinatura, entre uma dúzia de outras obviamente humanas, dizia: dr.<br />

Gratiano Forbeson, Mirandola, NY. E não tive como deixar de perceber<br />

sua referência à commedia dell’arte, claro. A gerente dignou-se a me<br />

informar que o cavalheiro estivera de cama por cinco dias com uma forte<br />

gripe, entregara seu carro para consertos em alguma oficina e partira de<br />

lá no 4 de Julho. Sim, uma jovem chamada Ann Lore tinha trabalhado em<br />

seu hotel, mas agora se casara com o dono de uma mercearia em Cedar<br />

City. Numa noite de lua interceptei Mary e seus sapatos brancos numa<br />

rua deserta; verdadeiro autômato, ela quase gritou, mas consegui<br />

humanizá-la com o simples ato de cair de joelhos e aos ganidos devotos<br />

implorar sua ajuda. Jurou que não sabia de nada. Quem era esse<br />

Gratiano Forbeson? Pareceu hesitar. Estalei uma nota de cem dólares.<br />

Ergueu o bilhete à luz da lua. “É o irmão do senhor”, murmurou afinal.<br />

Puxei a nota de sua mão que a lua resfriava, e cuspindo maldições em<br />

francês fiz meia-volta e fui embora correndo. E o episódio ensinou-me

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