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enigma mais fácil. “Arsène Lupin” era óbvio para um francês que se<br />

lembrava das histórias policiais da juventude; e ninguém precisava ser<br />

exatamente um especialista em Coleridge para decifrar a adivinha banal<br />

contida em “A. Person, Porlock, Inglaterra”. De péssimo gosto, mas<br />

sugerindo basicamente um homem culto — não um policial, não um<br />

marginal comum, não um vendedor lúbrico —, eram pseudônimos como<br />

“Arthur Rainbow” — claramente um disfarce para o autor do Bateau Bleu<br />

— deixem-me rir também um pouco, senhores! — e “Morris<br />

Schmetterling”, famoso por seu L’Oiseau ivre (touché, leitor!). O tolo<br />

mas engraçado “D. Orgonte, Elmira, NY”, vinha de Molière, claro, e como<br />

pouco antes eu tentara interessar Lolita numa famosa peça do século<br />

XVIII, recebi como a um velho amigo “Harry Bumper, Sheridan, Wyo”.<br />

Uma enciclopédia qualquer me informou quem era o estranhamente<br />

sonoro “Phineas Quimby, Lebanon, NH”; e qualquer bom freudiano com<br />

um nome alemão e algum interesse pela prostituição religiosa<br />

reconhecerá de imediato as implicações de “Dr. Kitzler, Eryx, Miss.”. Até<br />

aí tudo bem. Graças desse tipo eram inferiores mas no todo impessoais,<br />

e portanto inócuas. Entre os registros que me chamavam a atenção<br />

como pistas indubitáveis mas me desconcertavam quanto ao seu sentido<br />

mais fino não vou mencionar muitos, pois me sinto colidir numa fronteira<br />

brumosa com fantasmas verbais que podem transformar-se, talvez, em<br />

viajantes genuínos. Quem seria “Johnny Randall, Ramble, Ohio”? Ou<br />

seria ele uma pessoa verdadeira que só por acaso tinha uma letra<br />

semelhante à de “N. S. Aristoff, Catagela, NY”? Onde estaria o segredo<br />

de “Catagela”? E o que dizer de “James Mavor Morell, Falston,<br />

Inglaterra”? “Aristófanes”, “falso” — certo, mas que outras coisas<br />

estariam me escapando?<br />

Uma tendência que atravessava toda essa pseudonímia me causava<br />

palpitações especialmente dolorosas quando me deparava com ela.<br />

Casos como “G. Trapp, Geneva, NY” eram sinais claros da traição por<br />

parte de Lolita. “Aubrey Beardsley, Quelquepart Island” sugeria mais<br />

nitidamente que o recado telefônico truncado que fora o ponto de<br />

partida de todo o episódio devia ser procurado ainda no leste. “Lucas<br />

Picador, Merrymay, Pa.” insinuava que minha traiçoeira Carmen revelara<br />

minha paixão patética ao impostor. Terrivelmente cruel, mais ainda, era<br />

“Will Brown, Dolores, Colo.”. O macabro “Harold Haze, Tombstone,<br />

Arizona” (que em outro momento poderia ter agradado a meu senso de<br />

humor) implicava uma familiaridade com o passado da garota que, como<br />

num pesadelo, sugeria por um instante que meu perseguidor fosse um<br />

velho conhecido da família, talvez um antigo admirador de Charlotte,<br />

talvez alguém disposto a corrigir velhos erros (“Donald Quix, Sierra,<br />

Nev.”). Mas a adaga mais penetrante foi o registro de final anagramático<br />

no registro da Chestnut Lodge “Ted Hunter, Cane, NH”.

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