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casa, sendo antiga, tinha mais recursos planejados de privacidade que as<br />

glamorosas caixas da moda, onde o banheiro, a única peça trancável,<br />

precisava ser usado para os fins furtivos do planejamento familiar.<br />

E por falar em banheiros — preparava-me para inspecionar o terceiro<br />

quando o dono da casa avultou à sua porta, deixando uma breve<br />

cachoeira atrás de si. O canto de uma passagem não me escondia<br />

totalmente. Com o rosto cinzento e olheiras inchadas, os cabelos<br />

escassos penugentamente despenteados na calva em progresso, mas<br />

perfeitamente reconhecível, ele passou por mim envergando um roupão<br />

roxo muito parecido com o que eu tinha. Ou bem não reparou em mim<br />

ou bem resolveu definir-me como uma simples alucinação familiar e<br />

inócua — e, exibindo-me as canelas peludas, continuou andando como<br />

um sonâmbulo na direção do andar de baixo. Guardei no bolso minha<br />

última chave e fui atrás dele até o saguão de entrada. Ele entreabrira a<br />

boca e a porta da frente para espiar através de uma fresta ensolarada,<br />

como alguém que julgasse ter ouvido um visitante inseguro tocar e<br />

desistir. E então, ainda ignorando o fantasma de capa de chuva que se<br />

detivera a meio caminho da escada, o dono da casa seguiu para um<br />

acolhedor boudoir do lado do saguão oposto à sala de visitas, através da<br />

qual — procedendo com toda a calma, sabendo que estava em<br />

segurança — eu agora afastei-me dele e, numa cozinha adornada com<br />

um bar, desenrolei cuidadosamente o Amigo untado, tomando cuidado<br />

para não deixar qualquer mancha de óleo nas superfícies cromadas —<br />

acho que usei o produto errado, que era preto e produzira uma sujeira<br />

terrível. A meu modo habitualmente meticuloso, transferi o Amigo agora<br />

nu para um local limpo, e avancei para o pequeno boudoir. Meus passos,<br />

como já disse, eram animados — animados demais, talvez, para o<br />

sucesso. Mas meu coração batia forte com uma alegria de tigre, e<br />

esmaguei um cálice debaixo dos meus pés.<br />

O dono da casa veio ao meu encontro na sala de visitas oriental.<br />

“Mas quem é você?”, perguntou numa voz alta e rouca, as mãos<br />

enfiadas nos bolsos do roupão, os olhos fixos num ponto a nordeste da<br />

minha cabeça. “Por acaso você é Brewster?”<br />

A essa altura, ficara evidente para todos que estava confuso, e<br />

totalmente à minha suposta mercê. Eu podia me divertir um pouco.<br />

“Isso mesmo”, respondi em tom suave. “Je suis Monsieur Brustère.<br />

Vamos conversar um pouco antes de começarmos.”<br />

Ele pareceu gostar da ideia. Seu bigode indistinto tremia. Tirei a capa<br />

de chuva. Estava usando um terno preto, camisa preta, sem gravata.<br />

Sentamo-nos em duas poltronas.<br />

“Sabe”, disse ele, coçando ruidosamente seu rosto cinzento áspero e<br />

carnudo, exibindo seus dentes miúdos de pérola num sorriso torto, “você<br />

não tem nada do Jack Brewster. Quer dizer, a semelhança não é muito

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