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na semana que vem. Pare de chorar, por favor. Você precisa entender.<br />

Deixe eu buscar mais uma cerveja para você. Ah, pare de chorar,<br />

desculpe por eu ter mentido tanto, mas as coisas são assim mesmo”.<br />

Enxuguei o rosto e os dedos. Ela sorria para o cadeau. Estava<br />

exultante. Queria chamar Dick. Retruquei dizendo que eu precisava ir<br />

embora em seguida, e que não queria vê-lo de novo, nem de longe.<br />

Esforçamo-nos para imaginar algum tema de conversa. Por algum<br />

motivo, eu não conseguia tirar da cabeça — a imagem estremecia com<br />

um brilho de seda em minha úmida retina — uma garota radiosa de doze<br />

anos, sentada junto à porta de uma casa, atirando pedrinhas numa lata<br />

vazia. E quase disse — tentando encontrar alguma observação casual —<br />

“Às vezes me pergunto o que terá acontecido com a menina dos McCoo;<br />

será que melhorou?” —, mas parei a tempo, antes que ela pudesse<br />

retrucar: “Às vezes me pergunto o que terá acontecido com a menina<br />

dos Haze...” Finalmente, reverti a questões monetárias. Aquela soma,<br />

disse eu, representava mais ou menos o aluguel líquido da casa da mãe<br />

dela; perguntou-me: “Mas não foi vendida anos atrás?” Não (admito que<br />

na verdade dissera a ela que sim, na intenção de cortar toda e qualquer<br />

ligação com R.); o advogado iria enviar-lhe em seguida uma detalhada<br />

prestação de contas de toda a situação financeira, que era satisfatória;<br />

alguns dos modestos papéis que sua mãe comprara tinham subido<br />

muito. Sim, estava certo de que precisava ir embora. Precisava ir<br />

embora, e encontrá-lo, e destruí-lo.<br />

Como jamais teria conseguido sobreviver ao toque dos lábios dela,<br />

recuei o tempo todo, numa dança exagerada, a cada passo que ela e sua<br />

barriga davam a meu encontro.<br />

Ela e o cachorro me levaram até a porta. E fiquei surpreso (é uma<br />

figura de retórica, na verdade não fiquei) quando a visão do velho carro<br />

em que ela viajara menina e ninfeta a deixou tão de todo indiferente.<br />

Tudo que ela observou foram os sinais de que ele estava chegando ao<br />

fim da vida útil. Lembrei que o carro era dela, eu podia pegar o ônibus.<br />

Ela me disse para deixar de ser bobo, que eles dois iam voar para Júpiter<br />

e comprar um carro lá mesmo. Respondi então que compraria aquele<br />

carro dela por quinhentos dólares.<br />

“A esse ritmo, daqui a pouco estaremos milionários”, disse ela ao cão<br />

em êxtase.<br />

Carmencita, lui demandais-je... “Uma última coisa”, disse eu em meu<br />

inglês horrivelmente cuidadoso, “tem mesmo certeza total de que —<br />

bem, não amanhã, é claro, nem depois de amanhã, mas — bem — um<br />

dia, qualquer dia, você não quer vir viver comigo? Crio um Deus novo em<br />

folha, a quem agradecerei com uivos lancinantes, caso você me dê a<br />

mais microscópica esperança” (ou palavras parecidas).<br />

“Não”, disse ela sorrindo, “não”.

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