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estava em matéria de souvenir, souvenir, que me veux-tu? O outono<br />

ressoava no ar. A um cartão-postal pedindo duas camas, o professor<br />

Hamburg recebeu pronta resposta manifestando desapontamento.<br />

Estavam lotados. Só dispunham de um quarto no porão, sem banheiro,<br />

com quatro camas, que decerto eu não desejaria. O papel da carta trazia<br />

o timbre:<br />

PERTO DAS IGREJAS<br />

OS CAÇADORES ENCANTADOS<br />

Só bebidas legais<br />

NÃO ACEITAMOS CÃES<br />

Perguntei-me se esta última afirmação seria verdadeira. Só? Existiria<br />

por exemplo xarope de groselha adulterado? E também me perguntei se<br />

um caçador, fosse da variedade comum ou encantada, não precisaria<br />

mais de um bom perdigueiro que de um banco de igreja, e com um<br />

espasmo de dor rememorei uma cena digna de um grande artista: petite<br />

nymphe accroupie; mas aquele estúpido cocker spaniel talvez não fosse<br />

genuíno. Não — senti que não suportaria o tormento de uma nova visita<br />

àquele saguão. Havia uma possibilidade muito melhor de recuperação<br />

do tempo noutra parte, na suave, multicor e outonal Briceland. Deixando<br />

Rita num bar, parti para a biblioteca da cidade. Uma solteirona<br />

chilreante ficou encantada de poder ajudar-me a encontrar o volume<br />

encadernado da Briceland Gazette correspondente a meados de agosto<br />

de 1947 e em seguida, num nicho resguardado sob uma lâmpada nua,<br />

eu virava as enormes e quebradiças páginas de um volume negro como<br />

um caixão, quase do tamanho de Lolita.<br />

Leitor! Bruder! Como era imensa a estupidez desse estúpido<br />

Hamburg! Uma vez que seu sistema hipersensível se mostrara incapaz<br />

de enfrentar o cenário real, ele achou que poderia pelo menos deleitar-se<br />

com uma parte secreta do panorama — o que nos lembra a história do<br />

décimo ou vigésimo soldado na fila do estupro, que decide cobrir o rosto<br />

branco da moça com seu xale negro a fim de não ver aqueles olhos<br />

impossíveis enquanto usufrui seu prazer militar naquela triste aldeia<br />

saqueada. O que eu tanto desejava era a foto impressa que por acaso<br />

fixara minha imagem passageira enquanto o fotógrafo da Gazette<br />

concentrava-se no dr. Braddock e em seu grupo. Apaixonadamente,<br />

esperava encontrar preservado o retrato do artista enquanto monstro<br />

mais jovem. Uma câmera inocente que me houvesse surpreendido em<br />

meu caminho sorrateiro para o leito de Lolita — que magneto para<br />

Mnemósine! Não sei explicar bem a verdadeira natureza desse meu<br />

impulso irrefreável. Estava ligado, creio, ao tipo de curiosidade<br />

vertiginosa que nos impele a examinar com uma lente as figurinhas<br />

desoladas — praticamente uma natureza-morta, e todos a ponto de<br />

vomitar — numa execução matinal, e a expressão do condenado

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