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seus nervos) a deixara desacordada por quatro boas horas. Eu ligara o<br />

rádio no volume máximo. Acendera no rosto dela uma lanterna que<br />

parecia um consolo-de-viúva. Eu a empurrara, beliscara, cutucara — e<br />

nada tinha interrompido o ritmo de sua respiração calma e poderosa. No<br />

entanto, quando eu tentara uma coisa simples como dar-lhe um beijo,<br />

ela despertara na mesma hora, disposta e forte como um polvo (escapei<br />

por pouco). Aquela droga não servia, pensei; precisava conseguir coisa<br />

mais segura. Num primeiro momento, o dr. Byron pareceu não acreditar<br />

em mim quando eu lhe disse que sua última receita não fora páreo para<br />

a minha insônia. Sugeriu que eu tentasse de novo, e por um momento<br />

distraiu minha atenção mostrando-me fotos de sua família. Tinha uma<br />

filha fascinante da idade de Dolly, mas derrotei seu truque e insisti para<br />

que me receitasse os comprimidos mais potentes que conhecia. Sugeriu<br />

que eu começasse a jogar golfe, mas finalmente concordou em me<br />

receitar alguma coisa que, segundo me disse, “ia realmente funcionar”;<br />

indo até um armário, trouxe de lá um frasco contendo cápsulas de um<br />

azul violáceo com uma faixa roxo-escura numa das extremidades, que,<br />

disse ele, acabavam de ser lançadas no mercado e destinavam-se não<br />

aos neuróticos, que um jato d’água poderia acalmar se bem aplicado,<br />

mas só aos grandes artistas insones que precisavam morrer por algumas<br />

horas a fim de viver por todos os séculos. Adoro enganar médicos, e<br />

embora por dentro estivesse jubilante, embolsei as pílulas dando de<br />

ombros com ceticismo. Incidentalmente, eu precisava tomar muito<br />

cuidado com ele. Certa vez, noutro episódio, um lapso imbecil da minha<br />

parte fez-me mencionar o último sanatório onde estivera, e tive a<br />

impressão de perceber um ligeiro tremor nas pontas de suas orelhas.<br />

Não tendo a menor intenção de que Charlotte ou mais alguém<br />

conhecesse esse período do meu passado, expliquei-lhe às pressas que<br />

numa época fizera pesquisas entre os loucos para um romance. Mas não<br />

importa; não há dúvida de que o velho patife tinha uma linda menina.<br />

Saí de lá de excelente humor. Dirigindo o carro de minha mulher com<br />

um dedo, voltei rolando satisfeito para casa. Ramsdale, no fim das<br />

contas, tinha muitos encantos. As cigarras zumbiam; a avenida acabara<br />

de ser molhada. Com uma suavidade quase de seda, entrei em nossa<br />

íngreme ruazinha. Tudo naquele dia de algum modo estava dando muito<br />

certo. Tão verde e azul. Eu sabia que o sol brilhava porque a chave da<br />

ignição se refletia no para-brisa; e sabia que eram exatamente três e<br />

meia porque vislumbrei a enfermeira que toda tarde vinha massagear a<br />

Srta. Defronte caminhando ligeira pela calçada estreita com suas meias<br />

e sapatos brancos. Como de costume, o setter histérico do casal Sucata<br />

atacou meu carro enquanto eu descia a ladeira e, como sempre, o jornal<br />

local estava dobrado na varanda da frente, para onde acabara de ser<br />

arremessado por Kenny.

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