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sua menina de doze anos calha de também ser a sua namorada de doze<br />

anos. Da próxima vez que você for sair com a sua filha, imagine estar<br />

saindo com a sua filha. Sabemos que “limites e regras” se aplicam às<br />

carícias paternas, e que os códigos que regem as “brincadeiras de<br />

menina são fluidos, ou pelo menos infantilmente sutis demais para que o<br />

parceiro mais velho consiga percebê-los”; mas o molestador ambicioso<br />

precisa aprender os truques, e depressa, antes que sua tutelada comece<br />

a “recuar... tomada pela repulsa e o terror”. Além das crianças, qualquer<br />

leitor haverá de identificar-se quando Humbert diz que Lo exibia<br />

“acessos de tédio desorganizado (...) queixas intensas e veementes (...)<br />

estilo escarrapachado, descuidado, de olhos narcotizados e (...) o que ela<br />

chama de levar na piada — uma espécie de palhaçada difusa e<br />

sistemática...” Ou ainda o que se segue (elas não são mesmo terríveis?):<br />

Houve o dia em que, tendo retirado a promessa funcional que lhe fizera na véspera (a<br />

vontade ocasional do seu curioso coraçãozinho — um rinque de patinação com algum piso<br />

plástico especial, ou uma sessão vespertina de cinema a que queria ir sozinha), captei por<br />

acaso do banheiro, através de uma combinação acidental de espelho enviesado e fresta<br />

da porta, uma expressão em seu rosto (...) uma expressão que não sei descrever<br />

exatamente (...) uma expressão tão perfeita de desamparo que parecia converter-se<br />

numa máscara da inanidade quase confortável, só porque era o limite extremo da<br />

injustiça e da frustração — e todo limite pressupõe alguma coisa além de si...<br />

E, graças à coragem e à sinceridade de Nabokov (e já que o contrário<br />

artístico da crueldade não é a gentileza mas a vulnerabilidade), a<br />

inocência de Lolita nunca aparece evocada de modo mais pungente que<br />

durante aquela noite fatídica nos Caçadores Encantados: quando Lolita<br />

(levemente drogada) se senta na cama “olhando fixo para mim, e me<br />

chamando de ‘Barbara’ com voz pastosa”; quando ela se desprende “da<br />

sombra do meu abraço — com um movimento não consciente, não<br />

violento nem motivado pela repulsa pessoal, mas com o murmúrio<br />

neutro e plangente de uma criança que exige seu repouso natural”; ou<br />

quando, depois de pedir um copo d’água, “num gesto infantil que exibia<br />

maior encanto que qualquer carícia carnal, a pequena Lolita enxugou os<br />

lábios no meu ombro”.<br />

De maneira similar, todo pai sente uma pontada quando sua filha<br />

começa a desenvolver um saudável interesse pelo sexo oposto. Mas<br />

pode-se imaginar o quanto a dor é mais incandescente (e isto é Freud<br />

transformado em realidade) quando os pretendentes da garota são os<br />

rivais do pai. Novamente encontramos uma grande veracidade cômica<br />

no horror e no extremo senso crítico com que Humbert descreve a<br />

repulsiva galère dos admiradores de Lolita; “cafajestes em carros de<br />

luxo, imbecis bronzeados à beira de piscinas azuladas”; “ginasianos<br />

louros desengonçados e desagradáveis, só músculos e gonorreia”;<br />

“escolares malcheirosos de suéter e faces em brasa encostando-se nas

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