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Lolita. Completaria treze anos em primeiro de janeiro. Dali a mais ou<br />

menos dois anos deixaria de ser uma ninfeta e se transformaria numa<br />

“jovem” e, em seguida, numa “universitária” — esse horror dos horrores.<br />

As palavras “para sempre” referiam-se apenas à minha paixão, à Lolita<br />

eterna que via refletida em meu próprio sangue. A Lolita cujas cristas<br />

lilases nunca haviam desprendido labaredas, a Lolita que hoje eu podia<br />

tocar e cheirar e ver, a Lolita da voz estridente e dos cabelos de um<br />

castanho intenso — mechas soltas, ondas dos lados e cachos na nuca, e<br />

do pescoço quente e pegajoso, e do vocabulário vulgar: “asqueroso”,<br />

“super”, “delicioso”, “brutamontes”, “chato” —, essa Lolita, a minha<br />

Lolita, o pobre Catulo havia de perder para sempre. E como eu poderia<br />

me dar ao luxo de deixar de vê-la por dois meses de noites insones de<br />

verão? Dois meses inteiros subtraídos aos dois anos que lhe restavam de<br />

nínfica existência! Devia eu disfarçar-me de sombria moça fora da moda<br />

— a apalermada Mlle. Humbert — e armar minha barraca nos arredores<br />

do Campo Q, na esperança de que suas ninfetas arruivadas pudessem<br />

clamar: “Adotemos essa estrangeira de voz grossa”, e arrastar a triste<br />

Berthe de sorriso tímido au Grand Pied até a beira do fogo rústico que<br />

frequentavam? Berthe dormirá com Dolores Haze!<br />

Sonhos secos e vãos. Dois meses de beleza, dois meses de ternura,<br />

ficariam malbaratados para sempre, e não havia nada que eu pudesse<br />

fazer, nada, mais rien.<br />

Uma gota de mel raro, entretanto, aquela quinta-feira ainda continha<br />

em sua casca de noz. Haze planejava levá-la de carro até a colônia de<br />

manhã cedo. Quando me chegaram ruídos variados de partida, rolei para<br />

fora da cama e debrucei-me à janela. Debaixo dos choupos o carro já<br />

pulsava. Na calçada, Louise de pé protegendo os olhos com a mão em<br />

concha, como se a pequena viajante já estivesse rumando na direção do<br />

sol baixo da manhã. Mas o gesto era prematuro. “Vamos logo!”, gritou<br />

Haze. Minha Lolita, que já estava meio embarcada e a ponto de bater a<br />

porta do carro, abaixar o vidro da janela, acenar para Louise e os choupos<br />

(a qual e os quais ela jamais tornaria a ver), interrompeu a marcha do<br />

destino: ergueu os olhos — e voltou correndo para dentro de casa (Haze<br />

gritando por ela furiosa). Um momento mais tarde ouvi minha querida<br />

subir as escadas correndo. Meu coração expandiu-se com tanta força que<br />

quase acabou comigo. Puxei para cima as calças do pijama, escancarei a<br />

porta: e instantaneamente Lolita chegou, em seu vestido de domingo,<br />

pisando duro, respirando forte, e logo estava nos meus braços, sua boca<br />

inocente dissolvendo-se sob a pressão feroz de sombrios maxilares<br />

masculinos, minha palpitante querida! No momento seguinte eu a ouvi<br />

— viva, indeflorada — descendo a escada com estrépito. A marcha do<br />

destino retomou seu curso. A perna alourada desapareceu, a porta do<br />

carro bateu — tornou a bater — e a motorista Haze ao volante violento,

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