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Posfácio<br />

MARTIN AMIS<br />

Como o suor da luxúria e da culpa, o suor da morte corre por Lolita. Eu<br />

me pergunto quantos leitores conseguem sobreviver ao romance sem<br />

perceber que sua heroína está, por assim dizer, morta desde o início,<br />

junto com sua filha. Seus breves obituários estão encaixados no Prefácio<br />

do “editor” do livro, na forma casual de um artigo de jornal escolar:<br />

“Mona Dahl” estuda em Paris. “Rita” casou-se recentemente com o proprietário de um<br />

hotel na Flórida. A sra. “Richard F. Schiller” morreu de parto, dando à luz uma menina<br />

natimorta, no dia de Natal de 1952, em Gray Star, localidade do extremo noroeste dos<br />

EUA. “Vivian Darkbloom” é a autora de uma biografia...<br />

E então, assim que o livro se inicia, Annabel, a amada da infância de<br />

Humbert, morre, aos treze anos (tifo), e sua primeira mulher Valeria<br />

morre (também de parto), e sua segunda mulher Charlotte morre<br />

(“acidente grave” — embora essa morte seja evidentemente estrutural),<br />

e a amiga de Charlotte, Jean Farlow, morre aos trinta e três anos<br />

(câncer), o jovem sedutor de Lolita Charlie Holmes morre (Coreia), e seu<br />

sedutor mais velho Quilty morre (homicídio: outra saída de cena<br />

estrutural). E então Humbert morre (trombose coronariana). E depois<br />

Lolita morre. E a filha desta morre. Num certo sentido, Lolita é um<br />

romance grandioso demais para o seu próprio bem. Ele estimula o leitor<br />

como uma droga recreativa mais poderosa que qualquer uma que já<br />

tenha sido descoberta ou concebida. Em comum com seu narrador, é ao<br />

mesmo tempo irresistível e imperdoável. Mas ainda assim tudo dá certo.<br />

Tentarei abrir caminho até o que é a meu ver seu coração lívido e<br />

sacolejante — ele próprio tomado de turbulência pré-trombótica,<br />

corcoveando, agitando-se e estremecendo.<br />

Sem macaquear o estilo explicativo das famosas Conferências de<br />

Nabokov (sem apresentar gráficos de variação de altitude, mapas<br />

rodoviários, caixas de fósforo de motéis e assim por diante), ainda assim<br />

pode valer de alguma coisa estabelecer o que de fato acontece em<br />

Lolita: do ponto de vista moral. O quanto tudo isso é grave — pelo menos<br />

no papel? Embora se distancie com uma sistemática hauteur do mundo<br />

das “rampas de carvão ou becos sem saída”, dos maníacos que respiram<br />

forte e dos policiais aos berros, Humbert Humbert é inquestionavelmente<br />

um legítimo desviante sexual à primeira vista, exibindo o clássico perfil

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