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com a assistência de Viena, se tudo ainda estava no lugar, perguntou-me<br />

o que eu achara da conferência do dr. Boyd, e fez uma expressão de<br />

surpresa quando eu (o rei Sigmund Segundo) respondi que o dr. Boyd<br />

até que era um bom rapaz. Depois descartei com todo cuidado o papel<br />

higiênico com que vinha limpando as pontas sensíveis dos meus dedos<br />

no receptáculo apropriado, e tomei o rumo do saguão. Apoiando<br />

confortavelmente os cotovelos no balcão, perguntei ao sr. Potts se ele<br />

tinha certeza de que minha mulher não telefonara, e onde estava a cama<br />

dobrável? Ele respondeu que ela não ligara (estava morta, claro) e que<br />

instalariam a cama dobrável no dia seguinte, caso decidíssemos ficar por<br />

mais tempo. De um lugar grande e lotado chamado O Recanto dos<br />

Caçadores vinha o som de muitas vozes discutindo horticultura, ou a<br />

eternidade. Outra sala, chamada O Salão Framboesa, todo banhado em<br />

luz com mesinhas muito claras em torno de uma mesa grande com<br />

“bebidas e petiscos”, ainda estava vazio salvo por uma recepcionista (o<br />

tipo de mulher gasta com um sorriso vidrado e a maneira de falar de<br />

Charlotte); ela flutuou até onde eu estava para perguntar-me se eu era o<br />

sr. Braddock, porque se fosse, a srta. Beard andava procurando por mim.<br />

“Que nome para uma mulher”, respondi eu, e fui embora.<br />

Para dentro e para fora do meu coração corria meu sangue irisado.<br />

Eu daria a ela até nove e meia. Voltando para o saguão, encontrei lá uma<br />

mudança: várias pessoas de vestidos florais ou envergando preto haviam<br />

formado pequenos grupos aqui e ali, e um acaso diabólico proporcionoume<br />

a visão de uma deliciosa menina da idade de Lolita e com o mesmo<br />

tipo de vestido que ela, só que todo branco, com uma fita branca nos<br />

cabelos pretos. Não era bonita, mas era uma ninfeta, e suas pernas<br />

pálidas de marfim e seu pescoço de lírio formaram por um momento<br />

memorável uma antífona muito agradável (em termos de música<br />

medular) ao meu desejo por Lolita, bronze e cor-de-rosa, corada e<br />

desonrada. A criança pálida percebeu meu olhar (que na verdade era<br />

muito casual e descuidado), e tomada por uma vergonha ridícula perdeu<br />

totalmente a compostura, revirando os olhos e encostando o dorso da<br />

mão na face, repuxando a bainha da saia e finalmente me virando suas<br />

omoplatas magras e móveis numa conversa inventada com a mãe que<br />

lembrava uma vaca.<br />

Deixei o saguão ressonante e postei-me do lado de fora, nos degraus<br />

brancos, olhando para as centenas de insetos empoados que giravam em<br />

volta das lâmpadas na noite negra e encharcada, cheia de ondulação e<br />

movimento. Tudo que eu faria — tudo que eu me atreveria a fazer —<br />

resultaria no final em tão pouco...<br />

De repente percebi que na escuridão a meu lado havia alguém<br />

instalado numa cadeira entre os pilares da varanda. Não conseguia vê-lo<br />

bem, mas o que denunciava a sua presença era o atrito metálico de uma

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