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Ela achava que eu tivesse adivinhado muito antes. Era (com um<br />

sorriso malicioso e melancólico) um nome tão sensacional. Eu nunca iria<br />

acreditar. Ela mesma mal conseguia acreditar.<br />

O nome dele, minha ninfa do outono.<br />

Era tão desimportante, disse ela. E sugeriu que eu esquecesse tudo.<br />

Eu aceitava um cigarro?<br />

Não. O nome dele.<br />

Ela sacudiu a cabeça com grande resolução. Sabia que era tarde<br />

demais para criar um caso, e que eu nunca iria acreditar no<br />

inacreditavelmente inacreditável —<br />

Eu disse que precisava ir embora, tudo de bom, tinha sido um prazer<br />

estar com ela.<br />

Ela disse que não adiantava, que jamais diria nada, mas por outro<br />

lado, no fim das contas — “Você quer mesmo saber quem era? Pois bem,<br />

era —”<br />

E em voz baixa, num tom confidencial, arqueando as finas<br />

sobrancelhas e franzindo os lábios ressecados, emitiu, com uma<br />

expressão um tanto zombeteira e um pouco entediada, não desprovida<br />

de alguma ternura, numa espécie de assobio mudo, o nome que o leitor<br />

astuto já deve ter adivinhado há muito tempo.<br />

À prova d’água. Por que um relance do Lago da Ampulheta<br />

atravessou minha consciência? Eu também sabia, sem saber, desde<br />

sempre. E não senti choque ou surpresa. Silenciosamente, a fusão se<br />

completou e tudo se encaixou na devida ordem, no padrão da ramagem<br />

que fui entrelaçando ao longo destas memórias com a finalidade<br />

expressa de fazer o fruto maduro cair no momento certo; sim, com a<br />

finalidade expressa e perversa de reproduzir — ela continuava a falar,<br />

mas eu me dissolvia sentado em minha paz dourada —, de reproduzir<br />

aquela paz dourada e monstruosa por força da conclusão lógica e<br />

satisfatória, que mesmo o leitor mais refratário agora também há de<br />

estar experimentando.<br />

Ela, dizia eu, continuava a falar. E agora tudo corria num fluxo<br />

sereno. Ele era o único homem por quem ela tinha sido louca. E Dick?<br />

Ah, Dick era um amorzinho, eram muito felizes juntos, mas ela estava<br />

falando de outra coisa. E eu nunca tinha contado, é claro?<br />

Ela me examinou como se captasse pela primeira vez o fato<br />

inacreditável — e de algum modo tedioso, confuso e desnecessário — de<br />

que o quarentão valetudinário de quarenta anos vestido de veludo a seu<br />

lado, distante, elegante e esguio, conhecera e adorara cada poro e<br />

folículo de seu corpo pubescente. Nos olhos dela, de um cinza lavado, e<br />

debaixo daqueles óculos estranhos, nosso pobre romance por um<br />

momento se viu refletido, ponderado e descartado como uma festa<br />

tediosa, como um piquenique estragado pela chuva ao qual só os mais

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