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estrondo no meu rastro.<br />

Enfiar o pente na coronha. Fazer pressão até ouvir ou sentir o encaixe<br />

da lingueta do pente. Deliciosamente preciso. Capacidade: oito<br />

cartuchos. De metal azulado. Ansiosos pela descarga.<br />

34<br />

Um atendente do posto de gasolina em Parkington explicou-me com<br />

grande clareza como chegar à Grimm Road. Querendo me certificar de<br />

que Quilty estaria em casa, tentei ligar para ele mas descobri que seu<br />

telefone particular fora cortado havia pouco. Teria ele ido embora? Parti<br />

na direção da Grimm Road, uns vinte quilômetros ao norte da cidade.<br />

Àquela altura a noite eliminara a maior parte da paisagem, e enquanto<br />

eu percorria a rodovia estreita e cheia de curvas, uma série de pilares<br />

baixos, fantasmagoricamente brancos, munidos de olhos-de-gato,<br />

tomavam de empréstimo a luz dos meus faróis para indicar uma ou<br />

outra curva. Era possível distinguir um vale escuro de um lado da estrada<br />

e encostas arborizadas do outro, e à minha frente, como flocos de neve<br />

desgarrados, mariposas emergiam do negrume para rodear minha aura<br />

móvel. Ao vigésimo quilômetro, como previsto, uma curiosa ponte<br />

coberta embainhou-me por um momento e, para além dela, uma pedra<br />

caiada assomou à direita, e um pouco mais à frente, do mesmo lado, saí<br />

da estrada e enveredei pelo macadame da Grimm Road. Por alguns<br />

minutos tudo era floresta, escura, úmida e densa. Em seguida, Pavor<br />

Manor, uma casa de madeira com um torreão, despontou numa clareira<br />

circular. Suas janelas brilhavam amarelas e vermelhas; a entrada da casa<br />

estava engarrafada com meia dúzia de carros. Parei sob a proteção das<br />

árvores e extingui meus faróis a fim de ponderar com calma meu<br />

movimento seguinte. Ele estaria cercado por seus asseclas e concubinas.<br />

Não consigo evitar descrever o interior daquele castelo festivo e<br />

depredado nos termos de “Adolescentes com Problemas”, uma história<br />

que lera numa das revistas dela, como vagas “orgias”, adulto sinistro<br />

com charuto pênele, drogas, guarda-costas. Pelo menos ele estava em<br />

casa. Eu voltaria na manhã letárgica.<br />

Regressei bem devagar até a cidade, no meu carro velho e fiel que<br />

continuava serena, quase alegremente, a me prestar serviço. Minha<br />

Lolita! Ainda havia um rolinho de cabelo dos que ela usava, três anos<br />

depois, nas profundezas do porta-luvas. Ainda havia aquela torrente de<br />

pálidas mariposas aspiradas para fora do negrume pelo brilho dos meus<br />

faróis. Celeiros apagados ainda se erguiam aqui e ali à beira da estrada.<br />

As pessoas ainda iam ao cinema. Enquanto procurava abrigo para a<br />

noite, passei por um drive-in. Num brilho selênico, genuinamente<br />

místico em seu contraste com a noite espessa e sem lua, numa tela<br />

gigantesca que formava um ângulo com a estrada em meio a sonolentas<br />

plantações, um pequeno fantasma ergueu uma arma, tanto ele quanto

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